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João Paulo Cechinel Souza

Retrocessos na saúde

O governo estadual ressuscitou um projeto que possibilita a privatização de leitos do HC, fazendo a festa dos planos de saúde com dinheiro público

Infelizmente, os avanços apregoados pelo secretário estadual da Saúde de São Paulo ("Avanços na saúde", da edição de 17 de janeiro da Folha) demonstram de forma clara a longa distância entre os gestores enclausurados na secretaria e a realidade vivida tanto pelo servidor público estadual de São Paulo quanto (e principalmente) pelos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) paulista.

O aumento de dividendos prometido (e ainda não cumprido) para os médicos, por exemplo, de cerca de 19%, faria com que tais profissionais chegassem a um salário-base verdadeiramente milionário: algo próximo de R$ 650.

"Avanços" dessa ordem foram esquecidos pelo secretário, que propagandeou ainda a inauguração de um novo hospital na região do Guarujá, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas II.

Efetivamente, o estardalhaço foi maior do que os fatos: apenas dez leitos estão ativos naquela unidade -número irrisório, para não dizer risível, dentro da complexidade envolvida no atendimento aos pacientes com doenças infecciosas naquela região sanitária.

O digníssimo secretário também omitiu a ressuscitação (e aprovação) do projeto de autarquização do HC (Hospital das Clínicas) da USP.

Tal projeto (engavetado ainda na época em que Cláudio Lembo era governador do Estado) traria para o HC, uma vez autônomo na gestão das suas finanças, a possibilidade de privatizar efetivamente os seus leitos hospitalares e ambulatórios.

Não por acaso, a iniciativa foi recebida com festa por gestores de grandes hospitais e de planos de saúde privados.

É um fato notório, tendo em vista o esforço para negar a chamada "dupla porta", consumada nas dependências da instituição e autorizada por tal projeto, que garante aos usuários de planos de saúde privados a utilização de recursos técnicos e humanos disponíveis no HC (com uma agilidade raramente disponível aos que dependem exclusivamente do SUS), que são pagos com dinheiro público.

Podemos citar também outros problemas que enfrentamos diuturnamente, com a anuência dos senhores gestores: dinheiro do contribuinte sendo colocado nas mãos da iniciativa privada para gerenciamento de hospitais públicos, com mecanismos obscuros de prestação de contas; hospitais mal equipados e com frequente falta de medicamentos; e prontos-socorros com escassez de profissionais -aqueles que se aposentam ou pedem exoneração não são substituídos, pois há anos não temos concursos públicos para provimento dessas vagas.

Fora isso, ainda naquele artigo, merece destaque também o empenho pessoal do secretário para enaltecer alguns centros de excelência em saúde do Estado.

Os demais serviços de saúde, porém, permanecem à míngua, com todos os problemas já citados. Eles ficam à espera de que a "benevolência" governamental na hora de distribuir recursos supere os desafios trazidos por apadrinhamentos diversos. Esperam também que se suprima de vez a valorização de projetos particulares de poder.

JOÃO PAULO CECHINEL SOUZA, 31, é médico e secretário de comunicação do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp)

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