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Monica Baumgarten de Bolle

A orquestra filarmônica da Europa

A música erudita atual nem sempre é intuitiva, não há a sensação de leveza, de beleza sensorial; ela é uma ótima metáfora para a crise européia

Arnold Schoenberg ou Anton Webern? Béla Bartók? Qual deles terá inspirado as respostas de Angela Merkel? Em uma longa entrevista para o "Le Monde", na qual falou sobre a crise europeia, a chanceler comparou os esforços de coordenação para resolvê-la à execução de uma orquestra.

"Mas como assim, uma orquestra?", perguntou o repórter, confuso. "A dissonância entre os líderes europeus tem sido tão evidente..." "Ah", retrucou a "connaisseuse", "trata-se da execução de uma composição muito moderna".

A música erudita contemporânea nem sempre é intuitiva. Na sua vertente atonal, não há um centro de tensão harmônica, as notas são ordenadas, mas não hierarquizadas. Para os neófitos, que têm certa dificuldade de superar a desconstrução da tonalidade tradicional para apreciar a arquitetura musical vanguardista, a cacofonia prevalece.

Não há aquela sensação de leveza, falta o senso do sublime, da beleza puramente sensorial que caracteriza, por exemplo, uma composição de Mozart. A música da virada do século 20 é demasiado complexa para isso.

Muitíssimo apropriado, portanto, que tenha sido utilizada como metáfora para a crise europeia.

Como enfatizou Merkel, é, também, um sinal de progresso poder comparar a Europa a uma orquestra, independentemente do programa elaborado pelos diretores artísticos (tradicional ou contemporâneo), pois nessa imagem há a forte noção de conjunto. Nem sempre foi assim no Velho Continente.

Metáforas musicais à parte, a entrevista de Angela Merkel revelou uma postura bem diferente daquela que marcara os seus discursos e declarações anteriores e que acabou fazendo ela receber o desagradável apelido de "frau nein".

A chanceler retratada no "Le Monde" é claramente pró-euro, empenhada em fazer todo o possível para retirar os países da união monetária desse estado desolador que parece não ter fim. Sua visão estratégica é uma união política entre os países da zona do euro.

Mas, para chegar lá, o caminho é longo. No curto prazo, Merkel enfatiza, como tem feito desde sempre, a necessidade de alinhar e fortalecer a disciplina fiscal, de aprovar o novo "compacto fiscal".

Contudo, ela reconhece abertamente, pela primeira vez, que a austeridade não é suficiente para reerguer a Europa.

É preciso gerar as condições para que as economias cresçam e criem empregos, diz. Reformas que permitam a inclusão dos jovens no mercado de trabalho são urgentes, arremata. No que depender desta aficionada pela música contemporânea, a solidariedade alemã está garantida. Desde que certos princípios sejam seguidos e mantidos. A mensagem é a mesma, porém marcada por um tom inequivocamente mais suave. O tom faz toda a diferença.

Os mercados, como eu, não estão acostumados com a música contemporânea. Assisti recentemente, porém, ao "Concerto nº 2" para piano de Bartók. Não é leve. Mas executado pelo virtuoso pianista chinês Lang Lang, com a Orquestra Filarmônica de NY, é espetacular.

Eis, portanto, a dúvida: poderá, como na música, a dissonância europeia ser compensada pelo virtuosismo da China e pela sustentação da economia americana?

MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE, economista, é professora da PUC-RJ e diretora do Instituto de Estudos de Política Econômica/Casa das Garças

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