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Marcelo Coutinho

Admirável século sem líderes

Se este é o século da China, o país terá de arcar com os custos de liderar; é difícil crer em um regime autoritário arregimentando corações

Segundo Kissinger, cada século vê emergir um país com poder, vontade e ímpeto moral capazes de moldar o sistema internacional de acordo com seus próprios valores. Assim foi desde a França de Richelieu aos EUA de Roosevelt. Todos dizem ser hoje a vez da China.

Há anos, o capitalismo vermelho acumula taxas de crescimento que já se tornaram sinônimo de alta performance. Com a crise na Europa e nos EUA, Pequim se apresenta como candidata à nova capital econômica mundial.

No entanto, o país não demonstra interesse em arcar com os custos de coordenação, engajando-se verdadeiramente na governança global. Estamos longe de um consenso de Pequim -e ainda mais da hegemonia em mandarim.

Hoje, qualquer acordo sem a China perde relevância. E a China só está disposta a acordos que beneficiem a sua indústria. Por outro lado, os EUA buscam fortalecer a sua posição na Ásia mediante propostas como a Parceria Transpacífica. Trata-se de uma quase Guerra Fria entre capitalistas.

Para galvanizar um mundo globalizado, a China vai precisar se abrir. Na idade da Primavera Árabe e das redes sociais eletrônicas, é difícil crer em um regime autoritário arregimentando corações.

Desde a queda do Muro de Berlim, liberdade e igualdade andaram lado a lado. As nações menos livres viraram as mais desiguais. Uma boa esquerda se tornou um pouco direita, e vice-versa. Saímos da era dos extremos para entrar na era do juízo -não necessariamente juízo final. A crise nos Estados de bem-estar abalou esse equilíbrio.

Agora, tudo vai depender de como as velhas e novas potências se relacionam. Com as reformas certas, o dragão de Xangai pode inspirar a todos.

Mas os Estados Unidos, onde surgiam gênios como Steve Jobs, talvez ainda sejam capazes de gerar respostas às suas contradições. Mesmo que Obama tenha decepcionado, ele é um dos poucos que ainda agrega esperanças.

O Brasil, por sua vez, tem traços culturais e ecológicos para fazer deste o seu século. Todavia, o país se desindustrializa, sofre recaídas no trato com governos repressivos e elege o combustível fóssil como tábua se salvação nacional.

Acabou mais um mandato brasileiro temporário no Conselho de Segurança da ONU. Não fizemos nada construtivo. Quando ousamos, foi para respaldar o Irã nuclear, cujas ameaças remontam à colina de Megiddo.

A política externa mostra mudanças positivas, ao menos. Começa a prevalecer no Itamaraty a perspectiva de que a ascensão chinesa não traz apenas benefícios. Os diplomatas começam a perceber que uma eventual ruptura na ordem global seria ruim aos nossos interesses.

A Índia das castas e a Rússia dos neoczares tampouco reúnem condições de vanguarda. Hoje somos Brics. Mas essa sigla ainda não revela o futuro. O PIB não diz tudo.

Entre Ban Ki-moon, Sarkozy, Merkel, Cameron e um G-20 pouco criativo, o nosso tempo segue à espera de quem o modelará: a China ou a globalização criada pelos EUA.

O desgaste dos organismos internacionais já começou. Ainda que sem líderes individuais, este será o século do Pacífico. É torcer para que o oceano faça jus ao nome.

MARCELO COUTINHO, 37, professor de relações internacionais da UFRJ e do Iuperj, é coordenador do Laboratório de Estudos da América Latina da UFRJ

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