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Muito além do câmbio

Queixume da indústria sobre valorização do real tira o foco de questões como a inflação de custos, que prejudicam bem mais as exportações

A indústria brasileira sofre cada vez mais com a perda do ímpeto exportador e o aumento da penetração de produtos importados. Há três anos a indústria não cresce.

O patamar de produção industrial permanece abaixo do alcançado antes da crise financeira de 2008. Já o consumo expandiu-se 30% no mesmo intervalo.

Tornou-se comum culpar a taxa de câmbio pela letargia. À primeira vista, faz sentido. Do início de 2004 até fevereiro deste ano, o real valorizou-se quase 44%, encarecendo os produtos exportados.

Num mundo cada vez mais caracterizado pela desvalorização das principais moedas (a "guerra cambial" de que fala o ministro da Fazenda, Guido Mantega), é claro que o país tem prejuízo com o câmbio valorizado. Há, porém, muitas outras razões estruturais para explicar a retração industrial.

A questão do custo interno de produção aparece em primeiro plano. O Brasil é um país de inflação superior aos padrões internacionais. Por conta da elevada indexação à taxa inflacionária, os custos da economia como um todo sobem de modo persistente.

Os preços internos sobem de 5% a 6% ao ano no país, em média. Nos países desenvolvidos e emergentes, crescem em torno de 2% a 3% anuais. Não é preciso um prazo muito longo para ocorrer uma perda de competitividade até mais representativa que a do câmbio.

Enquanto a economia era fechada, sem competição externa, bastava repassar custos aos preços. Hoje isso não é mais possível, porque os produto nacionais estão expostos à concorrência dos importados. E o quadro se torna ainda mais preocupante quando se analisa a inflação dos itens que importam para a produção.

A mão de obra é um deles, talvez o principal. Nos EUA, não existe inflação de mão de obra -a produtividade tem crescido de 3% a 4% ao ano na indústria, em linha com os salários que paga. No Brasil, a produtividade industrial está estagnada, e os salários sobem em ritmo chinês, a 10% anuais. O ônus criado por essa diferença suplanta em poucos anos o peso do câmbio.

A energia, outro custo importante, é mais de duas vezes mais cara que a média internacional. A principal razão está nos impostos, que representam 35% da tarifa.

As associações industriais, por miopia, focalizam o câmbio como problema principal. O governo agradece, pois não tem muito o que fazer com ele, que responde a variáveis fora de seu controle.

Bem mais trabalhoso seria enfrentar a agenda de desoneração progressiva de impostos, desindexação da economia, qualificação de mão de obra e redução de custos logísticos. Sem isso, a indústria continuará perdendo terreno, com qualquer taxa de câmbio.

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