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Dois artistas

Mesmo num país que se congratula pelo inabalável bom humor da população, não há como evitar o lugar-comum da "perda insubstituível" para comentar o desaparecimento, em curto intervalo de tempo, de dois de seus maiores artistas do humor, Chico Anysio e Millôr Fernandes.

Na aproximação desses nomes, o termo "humorista" evidencia toda a variedade de suas acepções.

O talento cênico de Chico Anysio o transformou num grande criador de personagens, capaz de fixar para a imensa maioria dos brasileiros as variedades de seus traços regionais, as mudanças de seus hábitos cotidianos e as fraquezas, nem tão mutáveis, de sua vida política.

O talento de Millôr Fernandes encaminhou-se para formas bem diferentes de expressão. Foi nas artes visuais, área em que demonstrou impressionante versatilidade, e na palavra escrita, no epigrama, na fábula, na poesia e na tradução, que Millôr soube transcender, rumo a altos níveis de estética e erudição literária, o âmbito do puro entretenimento, em que foi, não obstante, um mestre.

Assim como Chico Anysio passou, com sucesso incontestável, do rádio para a televisão, Millôr transitou, já em idade avançada, da página impressa para a tela da internet. A disposição para renovar-se, que ambos possuíram, não conflitou com a capacidade que tiveram, ao longo de décadas, para manter uma continuidade de estilo sem a qual não poderiam ter atingido o estatuto de clássicos.

Não importa muito, no fim das contas, o caráter "erudito" ou "popular" que a obra de Millôr Fernandes ou de Chico Anysio ostentou em primeiro plano; são formas diferentes que convergiram, no panorama da cultura brasileira, para a cristalização de um tipo de humor sempre crítico (e mais, autocrítico), malicioso, mas não vulgar, e até mesmo terno, sem abandonar a acidez.

São características de que o Brasil pode, com certeza, orgulhar-se. No cenário contemporâneo, marcado mais pela exasperação do que pela superioridade da ironia, não tem sido raro que a acidez se torne quase uma arma de marketing, sacrificando a graça em favor do fácil e do chocante.

Ingredientes desse tipo sempre fizeram parte do humor em qualquer parte do mundo, e um senso de exasperação, mesmo que não sublimado, sem dúvida convém aos tempos atuais. Mas a arte -como a exerceram, cada qual a seu modo, Chico Anysio e Millôr Fernandes- faz sempre muita falta.

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