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O Lula de sempre

Espontaneidade do ex-presidente nunca foi ausência de cálculo; estilo contrasta com artificialismo da maioria das candidaturas

Como um velho conhecido a quem se pergunta como tem andado, após um tempo sem contato, o ex-presidente Lula se abriu na entrevista a Cláudia Collucci e Mônica Bergamo, da Folha.

"A gente não sabe o que é pior, se é a quimioterapia ou a radioterapia", declarou, ao comentar o tratamento -cujo sucesso se comemora- contra um câncer na laringe. E disse que, em alguns momentos, "preferiria entrar em coma".

Sua franqueza trouxe alarmes ao médico Roberto Kalil, que o acompanhava na entrevista. "Pelo amor de Deus, presidente!" Nesse apelo havia, provavelmente, o cuidado de não desestimular outros pacientes na adoção de uma terapia penosa, mas necessária.

Não é estranha ao temperamento de Lula essa atitude. "Pelo amor de Deus, presidente!", pensavam ou diziam acompanhantes de Lula quando seus comentários, no calor da hora, transpunham o limiar da conveniência ou da sensatez.

Nesse momento, Lula mobiliza antes a solidariedade, pelo estado de saúde, do que o inconformismo pela incontinência verbal.

Precisamente por isso, entende-se como algo que sempre passou por defeito do presidente, ao menos para parcelas mais educadas da opinião pública, termina parecendo uma de suas qualidades distintivas.

Lula não é dos que optam pela sensaboria e pelo convencionalismo. Sua decantada capacidade de comunicar-se com o grande público talvez tenha, no fundo, uma chave bastante simples para ser entendida.

Quanto mais idiossincrático, individualizado e inconfundível o político, mais amplo, provavelmente, é o alcance de sua mensagem ao eleitorado. Para bem ou para mal, Lula sempre foi Lula.

Espontaneidade, de resto, nunca foi sinônimo de ausência de cálculo. Na entrevista, o ex-presidente soube, como de hábito, esquivar-se de responder claramente sobre uma candidatura em 2014.

Político dos pés à cabeça, Lula é um desses casos em que pessoa e personagem pública convivem sem conflito.

O caso contrasta com o de políticos experimentados da oposição. O elogiável senso de conveniência peessedebista, por exemplo, acarreta o preço constante de um acinzentamento comunicativo.

O contraste se estende, ironicamente, a protegidos do próprio Lula. Candidaturas como a de Dilma Rousseff, e agora a de Fernando Haddad, podem ter vários méritos -mas não o da naturalidade.

O engessamento do discurso político, sob a orientação rígida dos marqueteiros, é sem dúvida um dos fatores a tornar tão desinteressantes as campanhas eleitorais.

O excesso de marketing pode ser até um erro de marketing; messiânico, demagógico, inconveniente, humano, simpático, calculista, esquivo, mas sobretudo real, Lula raras vezes pecou por esse aspecto.

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