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As regras do jogo

Entrevista do dono da Delta não faz segredo das relações espúrias entre políticos e empreiteiras sob manto legal de doações de campanha

Costuma-se dizer que a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Só de um modo muito tênue pode-se aplicar esse ditado às declarações do empreiteiro Fernando Cavendish, da construtora Delta, na entrevista à colunista Mônica Bergamo, da Folha.

Não que ele tenha admitido a prática de dar propinas a políticos para obter contratos de obras públicas. Seria demais, mesmo depois de revelada uma conversa entre Cavendish e dois associados, de 2009, em que, com toda a evidência, não se falava de outra coisa.

Numa terminologia a que, embora imprópria, cabe aludir pelo flagrante do tom, o dono da Delta diz: "Se eu botar 30 milhões na mão de político, eu sou convidado pra coisa pra c... Se eu botasse dez pau que seja na mão dele [...], eu ia ganhar o negócio".

Cavendish tratou de justificar-se na entrevista. Declarou que, depois de fazer doações a políticos, não obterá necessariamente vitórias numa licitação. "Mas posso estar pelo menos bem representado, tenho a oportunidade de ter informação dos futuros investimentos, das prioridades políticas."

Na mesma linha, acrescentou: "Por que megaempresas fazem doações a campanhas? Vão ter informação. Não é normal? Não é toma lá dá cá. Tem licitação".

Que seja. Admita-se, o que já seria dar um salto nas alturas angelicais da credulidade, a lisura das licitações realizadas no Brasil. A prática de dar e receber doações de grande vulto não seria, ainda assim, menos suspeita. Uma empresa não teria razão para estar "bem representada" perante figuras do poder público se não obtivesse, com isso, vantagens específicas.

Nesse particular, o empreiteiro não faz mais que explicitar, com a imprudência do desespero, aquilo que várias outras empresas praticam normalmente. A contragosto, pode ser; ninguém corromperia se não fosse pela necessidade de obter contratos, facilidades ou... "informação". E não continuaria corrompendo se mecanismos de fiscalização capilarizada e de punição pronta existissem de fato no país.

Na verdade, só um controle social permanente, facilitado pela transparência que a internet é capaz de propiciar, poderia romper com o círculo vicioso: campanhas cada vez mais caras exigem de todos os candidatos grande permeabilidade aos interesses de quem os financia, enquanto as empresas que não compactuarem com o sistema se veem excluídas do jogo.

A corrupção, como se sabe, é sistêmica. Poucas vezes, entretanto, chegou-se tão perto de admiti-lo. A hipocrisia se esgota, com efeito, conforme o tempo passa.

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