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João Lara Mesquita

Por que os oceanos precisam da mídia

Ignoramos 71% da Terra. Por isso eu gostava tanto do meu barco. Com ele eu vi absurdos, mas também exemplos, como o veto a espigões na orla da PB

Eles continuam a chamar pouco a atenção. Só ganham manchete quando tem desastre. Como o naufrágio do Costa Cruzeiro ou o do Mar Sem Fim, na Antártica.

É assim em quase todo lugar. Mesmo sobrando informação, falta divulgação. Os fatos mais importantes nem sempre aparecem para o grande público, para os estudantes, para o formador de opinião. Permanecem submersos.

Isso é ruim. Entorpece molas importantes numa sociedade que tem história: essas pessoas abreviaram uma ditadura e levaram um presidente ao impeachment. A elite quase ignora o que se passa em 71% da superfície do planeta.

Culpa de quem? Dos jornais, da mídia?

A internet, que também é mídia, transborda de material. Claro, tem lixo no meio. Por isso existe o jornalista. Para separar o joio do trigo, colocando luz ao que estava na penumbra. É uma obrigação.

Veja a corrupção. Ela sempre existiu -assim como a corrupção do mais importante ecossistema da Terra. Mas quase ninguém investiga o que ocorre depois da arrebentação.

Os oceanos ficam à míngua, enquanto os escândalos de Brasília desmoronam, muitas vezes desmascarados por obra de jornalistas.

O Ministério da Pesca não foi capaz de gerar pautas sobre a predação, quase extermínio, dos recursos marinhos vivos. Mas deu manchetes sobre desvio de verbas.

Por isso eu gostava tanto do meu barco. Navegava na internet, procurando indícios. Depois, com o Mar Sem Fim, saía atrás dos flagrantes.

Isso sem esquecer as ações sustentáveis, que também precisam ser divulgadas.

A mídia tem o poder de gerar cópias, pode ir além de tornar públicos os malfeitos oficiais. Os mares merecem fiscalização, eles garantem a vida no planeta.

Quando fiz a série "Mar Sem Fim", para a TV Cultura, destaquei exemplos como o da Constituição da Paraíba, de 1989, que impõe restrições aos espigões na orla do Estado, controlando a especulação imobiliária. Um modelo a ser seguido por todos os Estados costeiros brasileiros.

O precedente estava na proa do Mar Sem Fim. Faltava divulgar. E provocar: se eles podem aproveitar o litoral sem destruir a paisagem e os ecossistemas marinhos, qualquer outra parte do Brasil também pode. Basta querer.

O objetivo é nobre: ordenar a ocupação da zona costeira pensando nas futuras gerações, alterando ao mínimo a paisagem original e a biodiversidade ambiental.

Funciona. Eu vi, todos aproveitam.

Enquanto navegava, também denunciei a carcinicultura (criação de camarões em cativeiro), prática que vai de encontro aos mais importantes preceitos do ambientalismo e dos bons costumes políticos: introduz espécies exóticas, ao dar preferência ao camarão Penaeus vannamei, oriundo do Pacífico.

Ocupa de graça, via tráfico de influência, e depois extirpa ecossistemas fundamentais para a vida marinha, como os mangues e apicuns (áreas de preservação permanente, na época amparadas por lei).

Esses biomas protegem a linha da costa da erosão, filtram e melhoram a qualidade da água, produzem parte do oxigênio que respiramos e servem como habitat para aves marinhas e migratórias.

Causas justas também produzem resultados. Hoje, há campanhas organizadas a favor dos oceanos, como a do Greenpeace, e de manutenção da proteção legal aos mangues e apicuns, como a da S.O.S. Mata Atlântica.

Saudades do Mar Sem Fim. Mesmo sem ele, começo a gravar, em maio, uma nova série para a TV Cultura. Desta vez, com foco nas unidades de conservação da costa brasileira. Em breve no ar.

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Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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