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Hélio Schwartsman

Uma questão de preço

SÃO PAULO - Como previsível, a coluna de ontem, na qual defendi a legalização do mercado de órgãos humanos, deixou alguns leitores um pouco bravos comigo. Nada contra a indignação. Os sentimentos e as emoções são as bases sobre as quais constituímos nossos mapas éticos. O problema é que nossos instintos morais nem sempre estão certos.

O cérebro não foi projetado para as sutilezas do mundo moderno, aí incluída a economia de mercado. Sistemas de troca que envolvem dinheiro nada têm de natural: exigem alto grau de abstração e requerem cálculos sofisticados, inconcebíveis no passado darwiniano em que nossas mentes foram moldadas. É só com esforço e prática que nos habituamos a operar sob esse paradigma.

Em diversas esferas, nossas emoções falam mais alto e bloqueiam transações financeiras. O filósofo americano Michael Walzer elaborou uma lista das coisas que, no Ocidente, o dinheiro não pode comprar. Ela inclui pessoas (escravidão) e pedaços de pessoas (órgãos), cargos públicos, amor, prêmios e honrarias, isenção de serviço de júri e a graça divina.

A maioria tende a achar que não se pode atribuir um preço a itens como esses. Na prática, porém, tudo tem um valor. Pode até ser difícil traduzi-lo em termos monetários, mas isso não significa que não exista.

No caso dos órgãos, o Irã é, ao que consta, o único país que autoriza e regula a venda de rins. É também uma das poucas nações onde não há fila para obter o órgão. Outros países disfarçam um pouco a compensação oferecida a doadores. Em Israel, por exemplo, é legal reembolsar o doador vivo por despesas médicas e dias de trabalho perdidos. Mesmo no Brasil, vários municípios oferecem auxílio-funeral a doadores. Há um projeto para federalizar a prática.

Quando olhamos para os detalhes, vemos que se trata mais de uma definição de preço do que de uma discussão de princípios sobre a moralidade de comercializar órgãos.

helio@uol.com.br

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