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Ruy Castro

Turbina que intoxica

RIO DE JANEIRO - A mão direita não sabe o que faz a esquerda. Ou finge que não vê. Nesta semana, com o objetivo de "turbinar a economia", o governo reduziu os impostos sobre a produção de carros populares, permitindo às montadoras abater 10% no seu custo e ainda facilitando empréstimos junto aos bancos para a aquisição dos ditos.

Significa que, se você se endividar um pouco mais e acrescentar um carro à frota que já asfixia as nossas cidades, a economia voltará aos seus dias de alegria. Não se sabe por que isso não aconteceria se o governo desse os mesmos incentivos à produção e à venda de veículos pesados, como tratores ou caminhões, ou à de grãos e adubos. Talvez porque falte a jamantas e esterco um appeal igual ao de um carro zero no status de uma família que, até há pouco, mal tinha para o ônibus.

Tudo bem, todos merecem ter seu carrinho próprio. Mas precisam? E será isso conveniente num momento em que as prefeituras lutam para diminuir o número de carros particulares, demolindo viadutos, investindo em corredores para ônibus e implantando veículos rápidos sobre trilhos? Elas estão tentando corrigir um modelo dos anos 50 cujos equívocos custamos a perceber -os carros tomaram o poder na cidade, intoxicaram-na, fizeram-na crescer a limites desumanos e tornaram seus habitantes preguiçosos e egoístas.

Encher ainda mais as ruas de carros para reaquecer a economia representa a vitória do planejamento grosseiro e oportunista sobre o crescimento equilibrado e o simples bom-senso. Significa que, ao passar dezenas de quilômetros engarrafado em sua cidade e respirando níveis intoleráveis de CO², você deverá se sentir orgulhoso dos números que o governo passará a exibir.

Medidas como essa só podem ser tomadas nos gabinetes de Brasília, a única cidade que, hostil por natureza aos bípedes, não é afetada por elas.

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