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Aldo Pereira

TENDÊNCIAS/DEBATES

Coroas caras

Elizabeth cumpre o seu papel com dignidade. Não se diverte matando elefantes, e sua festa é um consolo para a nação que foi dona de metade do mundo

Muito monarca é lembrado hoje por quase nada além duma frase: "Mais uma vitória dessas sobre os romanos e estaremos aniquilados." (Pirro, 319-272 a.C.). "Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo!" (Ricardo 3º, 1452-1485, segundo Shakespeare, 1564-1616). "Depois de mim, o dilúvio" (Luís 15, 1710-1774).

A celebração do jubileu de diamante de Elizabeth 2ª (60 anos no trono) evoca frase de Faruk (1920-1965, rei do Egito de 1936 a 1952): "Em poucos anos haverá apenas cinco reis no mundo: o da Inglaterra e os quatro do baralho."

Ocupado como vivia em orgias sexuais e outros deboches, Faruk não tinha tempo para geografia e história. Esqueceu dois outros titulares de monarquias com passado milenar e futuro imensurável: o micado (imperador do Japão) e o papa.

Elizabeth não precisa esverdear de inveja desses dois. Continua chefe de Estado do Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e também de Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Comitivas de súditos que foram saudá-la no Jubileu representavam dezenas de etnias, latitudes e longitudes.

Tudo simbólico, sim, mas consolo para uma nação que há duas ou três gerações era dona de quase metade territorial do mundo. Melhor essa distração do que amuos imperiais do Japão com sonhos de hegemonia asiática evaporados em dois cogumelos de explosões atômicas.

Mais de 80% dos ingleses aprovam Elizabeth. Nenhum deles se escandalizou quando ela pediu ao governo fornecimento subsidiado de carvão para abater despesas de calefação de seus palácios. Apenas explicaram com ternura que, pigarro, a lei, Majestade, só autoriza subsídio a gente, hã, do povo. Pausa. Pigarro. Pobres.

No geral, Elizabeth cumpre seu papel com dignidade e resignado senso de dever. O que afinal resulta em mau exemplo: retarda a hora de incluir entre os desempregados todos os remanescentes monarcas da Europa, recolher suas coroas a museus ou, melhor ainda, vendê-las em leilão a milionários americanos para aliviar déficits orçamentários.

Elizabeth não é típica. Não se compara, por exemplo, a Juan Carlos. Educado com supervisão pessoal do sanguinário Francisco Franco (1892-1975), que o sentou no trono, sua missão era dar cobertura aos sequazes do ditador quando este morresse.

Insegura, após a morte de Franco certa minoria radical de militares fascistas tentou um putsch de ópera bufa que a maioria dos generais logo conteve nos bastidores. Em oportunista cartada, fizeram o telegênico monarca noticiar o malogro da intentona como triunfo pessoal dele.

Sucesso. A aura de herói sobre a persona do rei perdurou até o recente escândalo dos elefantes. O mundo ficou sabendo então que, no tempo deixado livre por negócios e amantes, há anos esse suposto defensor da fauna se diverte em matar a tiros não apenas elefantes, mas também ursos, búfalos e outras esplêndidas criaturas.

Faruk o teria visto hoje como carta fora do baralho.

ALDO PEREIRA, 79, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha
E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.br

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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