Índice geral Opinião
Opinião
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Eduardo Molan Gaban e Juliana Oliveira Domingues

Nova lei permitirá a criação de monopólios

Com novas regras, o Cade vai avaliar só as grandes fusões, liberando monopólios regionais em setores como faculdades, postos de gasolina e mercados

Desde a entrada em vigor da lei 8884 de 1994, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) analisou cerca de 10 mil operações de concentração empresarial.

Dessas, rejeitou apenas oito: Eterbrás/Eternit (1994), Gerdau/Korf (1995), Brasil Álcool e Bolsa Brasileira do Álcool (2000), Nestlé/Garoto (2004), Saint-Gobain/Owens Corning (2008), Unimed Santa Maria/Hospital de Caridade Dr. Astrogildo Azevedo (2009) e Polimix Concreto/Cimento Tupi (2010).

Em outros vários casos, o Cade condicionou a aprovação. Por exemplo: a fusão entre Sadia e Perdigão, julgado em julho de 2011. As empresas foram obrigadas a vender cerca de 35% de sua capacidade de produção -envolvendo unidades produtivas, centros de distribuição e uma carteira de marcas, além da proibição de utilizar a marca Perdigão em mercados estratégicos.

Com o propósito de aproximar o Brasil ainda mais das nações desenvolvidas, acaba de entrar em vigor uma nova lei antitruste.

Embora com nobre intenção, ela enfraqueceu o controle de estruturas, pois houve a eliminação do critério de incidência de market share. Esse critério estabelecia que toda operação de fusão que resultasse concentração de 20% ou mais de um determinado mercado deveria ser analisada pelo Cade.

Outro enfraquecimento se deve à inaplicabilidade da lei para controle de concentrações de consórcios e associações para fins de licitações, como no caso de empreiteiras que se unem para realizar uma obra pública, que não mais serão analisados pelo Cade.

Não obstante, ao coroar tal enfraquecimento, em 31 de maio uma portaria interministerial elevou os valores do critério de incidência da lei para o controle de concentração.

Agora, são de submissão obrigatória apenas operações cujas partes ou grupos econômicos possuam faturamentos brutos equivalentes ou superiores a R$ 750 milhões, de um lado, e R$ 75 milhões, do outro-antes, os valores eram respectivamente R$ 400 milhões e R$ 30 milhões.

Com isso, muitas fusões que resultarão em monopólios estão automaticamente permitidas -sequer serão avaliadas.

Os maiores exemplos são empresas que podem ser monopolistas em bairros, municípios e até pequenas regiões, como supermercados, postos de combustíveis, drogarias, faculdades e universidades privadas, clínicas e hospitais.

Das oito operações vetadas pelo Cade desde 1994, por exemplo, duas (a de 2009 e a de 2010) ficariam isentas do controle antitruste.

O principal argumento das mudanças foi eliminar a submissão obrigatória de operações sem potencial ofensivo, canalizando esforços para casos de interesse da sociedade.

Ora, a Constituição não protege a livre concorrência apenas em mercados "grandes". A proteção abrange todos os mercados. Tais normas são incompatíveis com a Constituição, pois enfraquecem a eficácia de um de seus mandamentos nucleares: a livre concorrência.

A política antitruste, assim, caracteriza-se por um conjunto de medidas estruturais (controle de concentrações) e comportamentais (controle de práticas anticoncorrenciais). A concorrência naturalmente implica bem-estar aos consumidores -melhores preços, mais qualidade, variedade na oferta.

Ao privilegiar apenas elevados faturamentos, ignorando concentrações em mercados em que os agentes detêm 20% ou mais de participação, cria-se verdadeiro risco de monopolização sem qualquer análise antitruste. Certamente não era esse o objetivo da nova lei, muito menos da Constituição.

EDUARDO MOLAN GABAN, 32, e JULIANA OLIVEIRA DOMINGUES, 32, doutores em direito pela PUC-SP, são advogados e autores de "Direito Antitruste" (editora Saraiva)

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.