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Heloísa Borsari, César Minto e Elisabetta Santoro

O ASSUNTO DE HOJE: USP

A quem interessa o autoritarismo?

Na USP, há militarização e visão produtivista, que lança docentes à competição descabida. Além disso, o movimento estudantil e os sindicatos são perseguidos

Não obstante tudo que seus professores, funcionários e estudantes criam nas ciências e nas artes, a Universidade de São Paulo sempre foi, institucionalmente, uma das mais conservadoras universidades do país, dada a sua estrutura oligárquica e a anacrônica eleição indireta de reitores e diretores.

Além disso, ultimamente a reitoria da USP tem reavivado práticas dos tempos da ditadura militar: espionagem, incursões policiais e crescente militarização do espaço físico dos campi.

O combate a vozes dissonantes se baseia em instrumento do período autoritário, o decreto 52.906 de 1972, e se expressa em mais de cem processos disciplinares e ações judiciais, que têm resultado na expulsão de estudantes, no risco iminente de demissão de diretores do Sindicato dos Trabalhadores (Sintusp) e na interpelação judicial de toda a diretoria da Associação dos Docentes (Adusp).

Em 2011, a entrada da Polícia Militar se deu sob a alegação de garantir a segurança na Cidade Universitária, mas até hoje a reitoria sequer instalou iluminação adequada dos campi. A contratação de três coronéis para chefiar a recém-criada Superintendência de Segurança, bem como a anunciada instalação de cancelas e de guaritas elevadas, tendem a isolar cada vez mais o campus Butantã do restante da cidade.

O comportamento da reitoria vincula-se ao projeto de sucessivos governos para o ensino superior, com vistas a submeter as universidades a interesses privados.

Daí decorrem a intenção de descaracterizar a universidade pública, gratuita e de qualidade socialmente referenciada; a necessidade de atacar os sindicatos e perseguir o movimento estudantil; bem como o processo em curso de ampla terceirização de funcionários técnico-administrativos.

Tal projeto é, ainda, a fonte da complacência dos gestores universitários com a liberdade de atuação das fundações privadas ditas "de apoio" e com outras ações que desfiguram a função social da USP, como os fundos privados de captação de recursos (endowments).

A situação é grave e não se restringe à USP, apesar de nela atingir o nível mais agudo. Tanto é que a Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo realizou, recentemente, uma audiência pública sobre o financiamento das universidades estaduais e a criminalização dos movimentos sociais que nelas atuam.

Na USP, as reformas iniciadas ou completadas na atual gestão, tais como o novo Regimento da Pós-Graduação, as diretrizes para a Criação de Cursos e a Carreira Docente, refletem a concepção produtivista e mercantil predominante, que tantos danos vêm causando ao ensino superior no país.

Todas elas realizadas sem efetiva discussão com os interessados, lançando professores numa competição descabida, em vez de estimular a docência, a pesquisa, a extensão de qualidade.

Assim procedendo, a reitoria da USP não só coloca em risco a qualidade social do tripé ensino-pesquisa-extensão. Ao optar pela intolerância e por criminalizar os movimentos sindical e estudantil, deixa de cumprir o papel de instituição exemplar para o conjunto da sociedade.

Afinal, a quem servirá uma universidade pública em que o pensamento crítico, o direito de opinião e as liberdades políticas são ameaçados cotidianamente?

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