Índice geral Opinião
Opinião
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

João Francisco Justo Filho

A racionalidade da crise

Antes das crises, até os modelos matemáticos são otimistas em excesso. A sociedade tem fobia, mas elas são fundamentais ao corrigir distorções como bolhas

A crise que se instaurou em 2008 vem sendo descrita por economistas com uma inconcebível simplicidade. Parece que ela poderia ser superada, e uma recessão evitada, simplesmente com um incentivo à produção e consumo, como um incremento anual no PIB dos países. Com isso, os investidores voltariam aos mercados financeiros e a ordem econômica mundial seria restabelecida.

Não há racionalidade que sustente esse modelo.

Como a economia é uma ciência, as crises deveriam ser analisadas sob a ótica da metodologia cientifica, onde experiências passadas serviriam como referência para se desenvolver modelos racionais da economia.

Com tantos exemplos históricos de crises econômicas, quebras de bolsa, explosões de bolhas, crises de crédito, crises de câmbio, não seria interessante usar esses eventos para evitar novas crises?

Mas a amnesia econômica tem sido um fato recorrente. As crises parecem ser resultado de um otimismo excessivo que transcende a lógica, como Alan Greenspan, o ex-presidente do Banco Central dos Estados Unidos, ponderou em 1996 sobre o risco de uma "exuberância irracional" na economia americana. Seriam palavras proféticas.

Numa análise matemática, as crises financeiras poderiam ser descritas com exatidão. Os matemáticos do mercado financeiro constroem modelos sofisticados para prever as variações nos índices das bolsas, criando-se a falsa percepção de que eles capturam toda a fenomenologia do mercado. Entretanto, a grande falha desses modelos é usar dados de períodos em que os indicies das bolsas estão crescendo monotonicamente.

Assim, descrevem essa fenomenologia somente parcialmente, falhando decisivamente em momentos de turbulência financeira.

Adicionalmente, como todo fenômeno físico, sempre há uma condição de equilíbrio e, portanto, uma valorização excessiva de ações nas bolsas leva inevitavelmente a um evento de reequilíbrio, que pode acontecer com uma repentina desvalorização. As crises são eventos que ajustam o valor do mercado e, portanto, são inevitáveis.

Para reduzir os impactos da crise de 2008, governos de diversos países financiaram o resgate do crescimento econômico mundial. Entretanto, somente adiaram os efeitos da crise, e isso está ficando cada vez mais evidente.

Agora, não há mais recursos públicos disponíveis e a crise vai tomar forma, não sendo necessário nenhum modelo matemático sofisticado para fazer tal previsão.

A sociedade tem fobia a crises e tenta evitá-las a qualquer custo. Entretanto, se ela enxergar as crises como eventos que corrigem distorções na economia mundial, inclusive na percepção dos valores sociais mais fundamentais, observará que as crises são não somente importantes, mas até necessárias.

As crises são oportunidades de rompimento com o status quo para se estabelecer um novo contrato social. Ao perceber as crises com essa racionalidade, a sociedade estará finalmente entrando numa nova era.

-

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.