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Hélio Schwartsman

Viés burocrático

SÃO PAULO - Discordo da proposta da Anvisa de passar a obrigar os consumidores a apresentarem receita médica para comprar nas farmácias a maioria das classes de medicamentos, incluindo anticoncepcionais, anti-inflamatórios e anti-hipertensivos. A exigência já existe no papel -esses remédios têm tarja vermelha-, mas a Anvisa não cobra das drogarias que implementem a regra.

Minha primeira objeção é de ordem filosófica: não cabe ao Estado atuar como babá do cidadão. Todo mundo sabe que medicamentos podem produzir efeitos colaterais potencialmente perigosos e, por isso, devem ser tomados apenas sob orientação médica. Se, ainda assim, a pessoa insiste em apelar para o "do it yourself", é um direito dela.

Existem, contudo, também razões de saúde pública para opor-se à medida. Cardiologistas, por exemplo, têm uma dificuldade tremenda para obter a adesão de seus pacientes hipertensos ao tratamento. Como a moléstia em geral não provoca sintomas, o doente muito facilmente deixa de tomar as drogas prescritas. Estima-se que de 40% a 60% dos pacientes não sigam adequadamente o regime medicamentoso. Raciocínio parecido vale para o diabetes e várias outras doenças crônicas.

Adicionar um novo obstáculo à aderência, como a necessidade de ver o médico para obter outra receita, não é uma ideia inteligente. E fica pior quando se considera que tanto o sistema público como o privado estão saturados. Não faz sentido onerá-los ainda mais com consultas burocráticas para revalidar prescrições.

Considerando-se que de 22% a 44% dos brasileiros adultos sofrem de hipertensão e 12% de diabetes, não é preciso um estudo epidemiológico para descobrir que temos potencialmente mais pacientes crônicos relapsos que aventureiros farmacológicos intimoratos. O norte, portanto, deveria ser desburocratizar e facilitar o acesso a drogas de uso contínuo, não o contrário.

helio@uol.com.br

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