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Hélio Schwartsman

Delírios autoritários

SÃO PAULO - Ô povinho autoritário! Psicólogos e leitores elogiam a mãe que botou a polícia e o Ministério Público atrás do tatuador que gravara o nome dela no antebraço do filho de 14 anos. O garoto queria homenageá-la, mas ela não gostou.

Não há muita dúvida de que o tatuador pisou na bola, ao realizar o procedimento em um menor sem tomar as devidas cautelas jurídicas. Mas, se há um escândalo nessa história toda, é a lei estadual paulista nº 9.828, que veda a aplicação de tatuagens e piercings em menores mesmo com a autorização dos pais. Pior só a tentativa do Ministério Público de enquadrar o profissional pelo crime de lesão corporal gravíssima, cuja pena vai de dois a oito anos de prisão.

Para começar, o diploma paulista choca-se com uma série de dispositivos da legislação federal, que lhe são hierarquicamente superiores.

Se pais podem autorizar operações em seus filhos, incluindo cirurgias estéticas e com fins religiosos, não há, no reino da lógica, como impedi-los de consentir com tatuagens.

Já a tipificação do delito como lesão corporal gravíssima beira o delírio. Os critérios que garantem a entrada nessa categoria estão no parágrafo 2º do artigo 129 do Código Penal e são: incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável; perda ou inutilização do membro, sentido ou função; deformidade permanente; ou aborto. A única explicação vagamente plausível é que o parquet considera a tatuagem uma deformidade, tese no mínimo discutível. Discordam dele vários milhões de brasileiros que pagaram para inscrever desenhos em sua própria pele.

Não sou pela anomia. Faria sentido uma norma que exigisse que menores apresentem uma autorização dos pais para realizar procedimentos que deixem marca permanente. Seria um modo de amainar a impulsividade juvenil. Mas a simples ideia de condenar o tatuador a até oito anos de cadeia, e sob aplausos, evoca excessos das piores ditaduras.

helio@uol.com.br

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