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Aldo Pereira

TENDÊNCIAS/DEBATES

Dedos na balança

Com inépcia, nossa Justiça dá sentenças tardias e enviesadas a favor de quem pode pagar bons advogados -a origem dos honorários nem se questiona

Você talvez se lembre de ter lido aqui que, segundo o Banco Mundial, o patrimônio intangível dum país depende da qualidade de suas instituições. Qualidade do sistema judicial ou do educacional, por exemplo, afetam o valor do Produto Interno Bruto. E, presume-se, também o Índice de Desenvolvimento Humano: são instituições medíocres que rebaixam o Brasil ao 84º lugar no IDH da Organização da ONU.

Sociólogos explicam isso com palavrão: neopatrimonialismo, modelo político no qual a elite governante desvia recursos do estado para consolidar seu poder, com suborno sistemático de pessoas influentes e hipnose do povo pela propaganda.

"Mensalão", portanto, tem de original apenas o nome. No mais, é peça de neopatrimonialismo típico, protagonizado por mandatários e instituições subvertidas em corporações: Executivo, Legislativo, Judiciário e feudos burocráticos. Como sistema de preceitos éticos e instituições, o direito alicerça a civilização; mas, na Justiça do Brasil uma combinação de inépcia e astucioso cinismo desmoraliza esses valores.

No Brasil, feitos de Justiça são notoriamente constipados, tardios e enviesados a favor de quem possa pagar mais. Considere o caso de advogado que recebe como honorários uma parte (às vezes milionária) do proveito que o cliente haja obtido por peculato, ou violação maliciosa de obrigações trabalhistas, ou sonegação, estelionato, roubo, jogo do bicho, lenocínio, tráfico de drogas -é vasto o mercado. Em que, num casos desses, o papel do advogado difere, digamos, do intrujão que lucra na compra de joias roubadas?

O Estatuto da Advocacia da OAB nem sequer inclui esse procedimento entre suas "normas disciplinares proibitivas de condutas indesejadas". ("Indesejadas", sic.) Você já soube de advogado excluído da Ordem por alguma dessas condutas? Concluiria que, dado não se conhecer precedente, tal transgressão jamais ocorreu? Aliás, os privilégios desse estatuto corporativista contradizem a própria essência do direito, tais os abusos a que sujeita o cidadão consumidor de serviços advocatícios.

Quanto a juízes, considere por exemplo o preceito universal da suspeição. É vedado a juiz, promotor e outros figurantes de processo judicial atuar em causa que envolva interesse próprio, ou na qual ele tenha motivo para favorecer ou prejudicar alguma das partes (artigos 134 a 138 do Código de Processo Civil). Logo, juiz não pode julgar nem a própria mãe nem a sogra, nem pessoa a quem deva dinheiro ou benefício como cargo honorífico, imune a remoção ou demissão e com a mais alta remuneração do serviço público.

O presidente Luiz Inácio da Silva nomeou para cargos desses -ministro do Supremo Tribunal Federal- oito advogados (dois já sucedidos), seis dos quais nunca tinham sido juízes. Interessante discutir, digamos do ponto de vista acadêmico, se caberia arguir suspeição desses oito em causas de interesse pessoal ou político do ex-presidente.

Já no mensalão o caso se complica. Um cada um, antecessores de Lula nomearam apenas três dos membros do atual STJ. Contudo, se fosse acusador no processo, você não deveria nem contar com esses três votos nem alegar suspeição dos demais: alguns já demonstraram que sua motivação não se alinha necessariamente com a do governo.

Mas, se o STF constituísse culminância de carreira na judicatura e não recompensa de compadrio partidário ou lobbies de simpatizantes, bem menos processos comportariam conjecturas de suspeição.

ALDO PEREIRA, 79, é ex-editorialista e colaborador especial da Folha
E-mail: aldopereira.argumento@uol.com.br

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