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Ruy Martins Altenfelder Silva

TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação: além das verbas

Vejo milhares de universitários sendo barrados nos estágios ao mês porque, com deficiências acumuladas no ensino básico, não têm habilidades mínimas

Comprometedoras tanto do crescimento quanto da sustentabilidade da economia, as fragilidades do país começam a ser atacadas de maneira mais sistêmica, a exemplo do recente anúncio do plano para atrair investimentos privados para modernizar e expandir a precária rede nacional de transporte. Objetivo louvável, mas não suficiente para eliminar, da herança a ser legada às novas gerações, o saldo acumulado de séculos de desigualdades.

Dono da sexta economia mundial, o Brasil entrou em 2012 com sinais de relativa imunidade à crise internacional: PIB de US$ 2,7 trilhões, apreciáveis reservas em dólares, sistema financeiro sólido, baixas taxas de desemprego, inflação sob controle, bom nível de consumo interno.

Esse é um dos lados da moeda. O Outro: a 84ª posição no IDH, entre 187 países, e 53º lugar no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) entre 65 países.

Esses contrastes, entre outros, marcam o perfil do Brasil de hoje e constituem obstáculos ao aproveitamento das vantagens comparativas raras no cenário internacional, tais como rica biodiversidade, potencial hídrico suficiente para gerar energia e assegurar o abastecimento de água a uma população acima dos 200 milhões, terras e clima propícios à produção agrícola em volumes capazes de atender ao mercado interno e gerar excedentes para exportação.

Entre os gargalos, sempre tem destaque a deficiência educacional.

É o maior abismo que o país deve vencer, pois não é possível ingressar num ciclo de desenvolvimento social e econômico sustentável quando 30% dos alunos chegam à universidade com conhecimentos insuficientes de português e matemática.

Ou quando, dos 4 milhões que iniciam o ensino básico, 1,8 milhão desistirão da escola antes de concluir o nível médio. Gradualmente, em que pese entusiasmos oficiais, se fortalece a conclusão de que a solução para a (sem exagero) tragédia do ensino não está só no acesso aos três níveis de aprendizado.

Até porque matrícula ou diploma de faculdade nunca terão o poder de sanar deficiências de conhecimentos acumuladas em doze anos de ensino básico de má qualidade.

Há quase meio século promovendo a transição da escola para o mercado de trabalho, o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) tem uma privilegiada posição para observar os efeitos desastrosos da má qualidade da educação no futuro jovens. Mensalmente, milhares deles são barrados nos processos para vagas de estágio e aprendizagem por não apresentarem as habilidades mínimas para começar a atuar em ambiente de trabalho.

Conciliar quantidade com qualidade, eis a questão que está posta ao governo e à sociedade que, cedo ou tarde, terão de encarar o desafio de proceder a uma profunda reforma do sistema educacional.

Não será tarefa para o curto prazo, dada sua complexidade. Deverá passar por choque de gestão; diversificação de opções de formação; inversão da escala de prioridade, numa primeira fase, para privilegiar investimentos no ensino fundamental, em lugar do superior, como ocorre hoje; melhor formação de professores, diretores e inspetores; instauração de avaliações de desempenho para premiar méritos e penalizar ineficiências, e por aí vai.

Como a experiência e a longa lista de distorções a corrigir mostram, o nó da educação vai bem além das verbas carimbadas para o setor.

RUY MARTINS ALTENFELDER SILVA, 73, é presidente do Conselho de Administração do CIEE e da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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