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Dogmas da burocracia

Não se conhecem no Brasil, felizmente, sintomas inequívocos de "islamofobia", nem de seu contrário -a retrógrada capacidade de fundamentalistas muçulmanos de se ofenderem por bagatelas.

O fundamentalismo, entretanto, está presente no hábito brasileiro de aceitar cegamente normas burocráticas desimportantes, como se tivessem sido ditadas no deserto aos ouvidos de um profeta.

É assim que, em vários departamentos de trânsito estaduais, mulheres muçulmanas estão sendo obrigadas a retirar o véu, quando requerem carteira de motorista.

Resolução do Conselho Nacional de Trânsito exige que, nas fotos desse documento, o condutor esteja com a cabeça descoberta.

Outro organismo federal, o Departamento Nacional de Trânsito, admite o uso do véu, em respeito à liberdade religiosa. Afinal, para fins de identificação do motorista, é apenas o rosto que importa.

No limite, bem mais do que um véu cobrindo o cabelo, perucas, penteados exóticos, barbas e bigodes também podem dificultar o reconhecimento de um condutor.

Seria, então, o caso de proibir -o que novamente poderia atentar contra costumes islâmicos-que o motorista do sexo masculino deixasse crescer a barba depois de ter sido fotografado nos órgãos competentes (ou nem tanto).

Enquanto o tema divide as esferas mais altas da hierarquia do tráfego, a intolerância parece ser a regra no baixo clero burocrático. No Detran de São Bernardo do Campo, no do Rio de Janeiro e mesmo no de Foz do Iguaçu (onde se localiza uma das maiores comunidades islâmicas do país), vigora a exigência impiedosa: retire-se o véu.

É provável que, com o tempo, o contato com novos costumes -além de um desenvolvimento da fé no rumo de concepções mais interiorizadas e menos ritualísticas- tenda a tornar a questão do véu menos importante do ponto de vista do dogma religioso.

Fosse para seguir o que vigora nos países muçulmanos ortodoxos, aliás, o problema sequer existiria, uma vez que lá se proíbe às mulheres a condução de veículos.

Não se trata, cabe repetir, de colocar em debate o uso do véu. Trata-se apenas de compreender que, numa foto de carteira de habilitação, o que importa é o rosto do condutor. Seria bom que a burocracia do trânsito pusesse, em definitivo, essa ideia na cabeça.

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