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Marina Silva

Pensar duas vezes

Rio é símbolo da possibilidade de uma democracia mais participativa. Lá, eleitores têm agora alternativas ao consenso apressado e ilusório

No momento em que o historiador Eric Hobsbawm se despede deste mundo, vemos com clareza a renitência do século 20, que ele tão bem interpretou e resumiu. Tem sido difícil a evolução: o velho mundo afunda na crise longamente amadurecida e os "emergentes" parecem ansiosos por repetir velhos erros.

No Brasil, ainda não morreu a esperança da sustentabilidade, que o sábio historiador viu como a utopia que restava no fim do século. Mas está ferida pela tratorada ruralista (com patrocínio do governo) na legislação ambiental. No centro do retrocesso, uma ideia de política que consagra o oportunismo e a acomodação aos interesses oligárquicos.

Fazemos, por esses dias, um pouco de silêncio. O tenso silêncio que antecede a eleição. Apesar dos limites da democracia representativa, das marcas deixadas por 20 anos de ditadura e das mazelas do sistema partidário, o silêncio nos induz a meditar sobre o valor da liberdade que conquistamos e sobre a responsabilidade que temos.

Na lenta evolução de nossa frágil democracia, tivemos mais prejuízo que vantagens quando aprovamos a reeleição, que tem se revelado propiciadora de vícios diversos nos interessados em manter-se nos seus cargos a qualquer custo. Fator positivo, entretanto, foi a adoção da eleição em dois turnos. Acertamos: nos demos o direito de pensar duas vezes, de realinhar forças e desejos.

Quando o povo não se organiza em torno de um projeto nem se deixa conduzir por uma força única, quando a propaganda dos diversos não produz um consenso mínimo, o segundo turno traz a chance de um novo pacto.

É o que pode acontecer, neste ano, nas principais cidades do Brasil -de um modo especial, espero que os cariocas deem a si esse importante passo, pois têm duas boas alternativas, Aspásia e Freixo.

O Rio de Janeiro é uma cidade-símbolo e um laboratório de mudanças, seria uma boa forma de antecipar a democratização de nossa democracia. O Brasil bem merece e precisa pensar melhor.

Em alguns locais, as eleições parecem ser o primeiro turno de 2014, tal o apego ao poder, em prejuízo do genuíno debate sobre o desafio de melhorar a qualidade de vida de onde está a maior parte da população do país. Quem sabe um segundo turno ajude a trazer o debate para o lugar de onde não deveria ter saído, as eleições municipais.

Mas é preciso que a população esteja, de fato, investida na construção dessas alternativas. Onde se produz um consenso apressado, com base na desinformação e no embevecimento com a propaganda, reduz-se o espaço para o crescimento e atrasa-se a democracia do século 21.

Em lugar da ilusão com a velha promessa de um destino completamente novo e seguro, feita pelos que ambicionam ser eles próprios o porto seguro, fazendo do eleitor um mero espectador da política, tem de surgir o cidadão autor/protagonista, envolvido com a construção de um o mundo melhor para si e para os que virão.

Um segundo turno pode ser essencial para que se faça um novo debate e, depois de outro silêncio ainda mais profundo, quem sabe, surjam compromissos mais maduros entre os habitantes das cidades e os que pretendem governá-las.

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