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Flávio Luiz Yarshell

TENDÊNCIAS/DEBATES

A limpeza que não cabe ao Judiciário

O TSE acertou não restringindo direitos políticos de quem teve contas rejeitadas. Repúdio deve vir da urna. Justiça não é super-herói com soluções fáceis a tudo

Com juiz do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (entre 2007 e 2012), participei do julgamento de centenas de processos de prestação de contas de campanha eleitoral.

Acompanhei as idas e vindas da discussão sobre as consequências jurídicas da desaprovação. Assisti, durante a maior parte do tempo, a prevalência do entendimento segundo o qual é apenas a falta da prestação das contas (e não sua rejeição) que impede a quitação eleitoral -necessária, dentre outros, para que o cidadão possa obter o registro de sua candidatura.

Não tardou o rótulo: depois dos candidatos "fichas sujas", surgiram os candidatos "contas sujas". E vieram também as críticas ao Judiciário -em particular ao Tribunal Superior Eleitoral- por ter, em julgamento com apertada maioria, admitido tais candidaturas, ao menos para o pleito de 2012.

Nessa discussão, há dois aspectos que merecem ser lembrados.

O primeiro é técnico, mas não menos importante: rejeição de contas de campanha não é sinônimo de improbidade. Portanto, aquele rótulo é incorreto e, ainda que de forma involuntária, é enganoso.

Quem atua na área sabe que há inúmeras razões que podem levar à desaprovação das contas, mas sem relevância jurídica para restringir direitos políticos. A linha que separa a desaprovação da aprovação "com ressalvas" é, muitas vezes, tênue e pode enveredar para o subjetivismo.

Também se sabe que, se há elementos indicativos de captação ou de gastos ilícitos em campanha, existe medida judicial apta à apuração desses fatos e, aí sim, à imposição de sanção proporcional, com cassação de mandato e inelegibilidade.

Basta, com base no artigo 30-A da Lei das Eleições, que as pessoas legitimadas a ingressar em juízo atuem de forma tempestiva e eficiente. Essa sim é a verdadeira sujeira que o Judiciário pode e deve enfrentar nesse terreno específico.

A restrição de direitos políticos por conta de rejeição de contas precisa ser vista de maneira coerente. Por exemplo, quando trata da inelegibilidade por rejeição de contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, a lei exige irregularidade que "configure ato doloso de improbidade administrativa". Portanto, não é coerente tratar-se situações análogas de forma tão díspar.

O segundo aspecto é político: o debate é claro desdobramento das discussões em torno da assim denominada lei da "Ficha Limpa".

Então, na premissa de que o cidadão pode saber quem teve suas contas de campanha rejeitadas e o porquê, o voto popular deveria ser a mais importante forma de repúdio a candidatos "contas sujas".

Além disso, a realidade mostra que lideranças políticas com alta representatividade popular associam-se a candidatos cujas contas foram notoriamente desaprovadas. Se elas são "sujas", não será difícil percorrer o caminho da contaminação.

Mas, como é próprio da natureza humana, é mais simples e mais fácil encontrar nos outros a responsabilidade que deveríamos procurar em nós mesmos. Somos responsáveis, por ação ou omissão, por uma sujeira que não está apenas a cargo do Judiciário extirpar -ainda que, para argumentar, pudesse contar com a intervenção de algum super-herói ou até da inteira Liga da Justiça.

FLÁVIO LUIZ YARSHELL, 49, é professor titular de direito processual da Faculdade de Direito da USP

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