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Hugo Possolo

TENDÊNCIAS/DEBATES

O assunto de hoje: Propostas para as próximas eleições

Que contem os nulos

Votar nulo é protestar de modo civilizado. Tais votos têm de ser contados. Se maioria, façamos uma eleição nova e diferente. Hoje, sai favorecido o voto útil

Eu voto nulo há muito tempo. Mas me sinto desrespeitado em minha cidadania, já que meu voto é igualado ao voto em branco. Nas lições mais primárias de democracia, o voto nulo é um protesto, e o voto branco significa aceitação do resultado.

Ao não contabilizar o voto nulo, o Estado está me indicando que não posso protestar civilizadamente por meio da eleição. Ou seja, teria que fazê-lo de outra forma. Qual? Não quero pegar em armas ou atravessar lugares públicos pelado para chamar a atenção...

A história está carregada exemplos onde se procurou anular a eleição pela vitória dos votos nulos. Se os votos nulos forem contados e formarem maioria, significa a convocação de novas eleições ou até um processo eleitoral diferente do anterior.

Podem dizer que é pouco provável, mas temos de ter essa possibilidade para que a democracia fique perto de ser realmente plena. É fato que não acredito que tal situação vá acontecer, mas tenho de tentar.

A obrigatoriedade do voto, outra anomalia brasileira, impõe decisões levianas a muitos que não querem participar do processo eleitoral ou não são conscientes do valor de seu gesto na urna. Não à toa, há quem escolha o personagem mais esdrúxulo do momento para votar, como se fosse um protesto.

Esses eleitores merecem, claro, o mesmo respeito republicano que os outros cidadãos. Mas um direito não pode ser uma obrigação.

Pesquisas e análises da imprensa e de especialistas, na maioria, ignoram a grande quantidade de pessoas que até às vésperas da eleição não sabem ou não querem escolher entre os candidatos. Números que, somados, muitas vezes ultrapassam 20% do eleitorado. Muito mais que alguns candidatos almejariam.

Por mais contraditório e absurdo que possa parecer, muitas vezes são os indecisos que decidem uma eleição. Especialmente quando ela é polarizada em duas opções, como acontece no segundo turno.

Com o voto nulo contabilizado, uma terceira possibilidade se abre, tirando o clima violento de torcida organizada que vem favorecendo o maniqueísta voto útil.

Não faço campanha para que votem nulo, mas quero meu direito de marcar posição. Quem sabe no futuro, com o voto nulo fazendo parte do jogo democrático, eu me empenhe numa campanha assim. O voto nulo não custaria aos cofres públicos, sua campanha não lesaria o bolso do povo como fazem os partidos ao receber os fundos públicos a cada eleição.

No horário gratuito, não há ideias, apenas publicidade de candidatos maquiados pelos marqueteiros, que encaram o eleitor como consumidor. Ignorar brancos e nulos na contabilidade dos votos válidos é autoritário ao ignorar aqueles que discordam disso. Por hora, o voto nulo é um faz-de-conta: ele é permitido, mas não significa nada.

Tudo bem que a urna eletrônica não permite mais escrever frases de efeito, piadas ou palavrões como sinal de revolta. Mas quem não tem vontade de soltar um palavrão diante da maneira como é conduzida a política em nosso país?

HUGO POSSOLO, 50, é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo teatral Parlapatões. É autor dos livros "Palhaço-Bomba" (Parlapatões) e "Excêntrico" (Giostri)

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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