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HÉLIO SCHWARTSMAN

Tráfico e ordem

SÃO PAULO - De acordo com o estereótipo, traficantes dominavam a Rocinha impondo um reinado de terror. Os bandidos viviam de predar os moradores e tratavam de mantê-los sempre assustados o bastante para que não denunciassem as suas movimentações à polícia.
Como todo chavão, este combina alguns grãos de verdade com muitas mitificações. O que os estudos sobre gangues revelam é que sua relação com a comunidade é muito mais complexa e nuançada do que sugerem nossas intuições de bem e mal.
De um modo geral, os bandidos evitam cometer atos de violência contra a população da área onde vivem, pois dependem da vizinhança para quase tudo, desde conseguir a próxima refeição até informações sobre a polícia, como mostrou o trabalho do sociólogo Martín Sánchez-Jankowski, que passou dez anos vivendo entre gangues nos EUA.
A pergunta que não quer calar então é: por que as comunidades toleram as quadrilhas? Frequentemente, elas constituem o melhor sistema de segurança disponível. Habitantes de favelas e guetos raramente confiam na polícia, que é ainda menos eficiente nesses lugares e não costuma ter vínculos com a população. O advento das milícias no Rio não ajudou a melhorar a imagem da corporação.
Já os membros das quadrilhas representam uma força que, apesar de caprichosa e por vezes cruel, está sempre presente e acaba impondo algum tipo de ordem.
Faz sentido, portanto, a filosofia por trás das UPPs, que pretende substituir a paz dos traficantes por uma polícia mais próxima da comunidade, reforçada ainda por políticas sociais, que constituiriam uma espécie de cereja no bolo.
Resta saber se o Estado, que não funciona direito nem em áreas onde está implantado há muito tempo, vai conseguir impor-se nos morros. A corrupção das forças policiais e a dinheirama gerada pela economia das drogas representam complicadores que não devem ser desprezados.

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