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São Paulo, quinta-feira, 01 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

2004, o ano do cavalo

ROBERTO LUIS TROSTER


Está se abrindo uma janela de crescimento. É um quadro positivo, todavia efêmero, que não se autoperpetuará

O ano de 2003 foi o da borboleta para o Brasil. O cenário conturbado do início do ano foi superado e ocorreu uma transformação respeitável. O pessimismo externo mostrou-se equivocado, nossa balança comercial superou os US$ 25 bilhões, o risco-país caiu, conseguiu-se o primeiro superávit em conta corrente em mais de uma década, a alta da inflação foi revertida, os juros básicos caíram e a relação entre dívida e PIB estabilizou-se. O país está pronto para decolar.
As previsões para 2004 indicam que a economia vai crescer em torno de 3,6%. O motivo é que, além da transformação de 2003, há uma conjugação singular que favorece o Brasil: a economia mundial em expansão, juros internacionais baixos, expansão do crédito bancário interno e capacidade ociosa da estrutura produtiva. Está se abrindo uma janela de crescimento. É um quadro positivo, todavia efêmero, que não se autoperpetuará. As condições externas podem mudar e a capacidade ociosa se esgotará se nada for feito. O desempenho dos anos futuros depende das medidas a serem adotadas em 2004.
Este ano é o ano do cavalo selado; leia-se da oportunidade para o Brasil. Abre-se uma janela de crescimento que, se bem aproveitada, permite sustentar e até mesmo aumentar o ritmo de expansão da economia brasileira por muito tempo. O crescimento sustentado é condição necessária para avanços expressivos na nossa agenda de desenvolvimento. Há demandas sociais que têm de ser atendidas e não merecem ser postergadas indefinidamente.
Temos todas as condições para nos desenvolvermos de forma acelerada e nenhum obstáculo será intransponível, mas temos de agir para chegar lá. Caso contrário, será mais uma chance perdida para o Brasil e a janela se fechará.
É fato: enquanto uma janela de crescimento é resultado de conjugações circunstanciais, o crescimento sustentado é fruto de um aumento no investimento e de sua produtividade. Para tanto é necessário atuar nessas duas frentes, a do investimento e a da produtividade.
O aumento dos investimentos é resultado de mais poupança disponível a um custo mais baixo -juros de longo prazo menores. Atualmente o governo se apropria de mais de três quartos da poupança existente e nem sequer paga os juros de sua dívida; portanto não pode, sob nenhum pretexto, se endividar mais. Diminuir a dívida do governo é sinônimo de baixar juros.
A outra forma de derrubar os juros é melhorar a canalização da poupança ao investimento, ou seja, aumentar a eficiência da intermediação financeira; para tanto é premente desonerar a intermediação bancária, eliminar compulsórios e aprimorar o quadro legal e institucional. Com mais poupança disponível e um canal bancário mais eficiente, haverá juros mais baixos e, consequentemente, mais investimentos.
Na frente da produtividade, os avanços são resultado de uma combinação de escolha de investimentos com um retorno proporcionalmente mais elevado e da diminuição do que é conhecido como custo Brasil. Deve-se focar em investimentos que produzem mais por cada real gasto, lembrando que o total de recursos disponíveis é limitado. Nesse sentido, os gastos em geração e difusão de conhecimento têm um destaque especial, pois as melhorias em capital humano possuem uma relação entre custo e benefício melhor em termos de crescimento e produzem como efeito colateral um impacto positivo na distribuição de renda.
Ganhos de produtividade expressivos poderiam ser obtidos com a diminuição do chamado custo Brasil. Empregar e produzir no Brasil é desnecessariamente burocrático e complexo. Há um excesso de guias, alvarás, vistorias e restrições que oneram o emprego e a produção sem benefícios palpáveis. A título ilustrativo, enquanto para abrir uma empresa no Canadá há uma demora de apenas dois dias e a necessidade de duas autorizações formais, no Brasil esse processo demanda 150 dias e 15 autorizações formais. Um exemplo que se repete em todas as esferas da sociedade e deveria ser minimizado.
A agenda do crescimento sustentado é extensa e complexa e inclui outros itens importantes, como uma inserção externa adequada, o avanço nas reformas tributária, trabalhista, do Judiciário e administrativa e uma redefinição do papel do Estado. O Brasil tem um potencial de crescimento expressivo, e concretizá-lo é desejo de todos os brasileiros. Para tanto, é necessário materializar o desejo nas decisões apropriadas.
2004 é o ano do cavalo selado e a variável chave a ser observada é se há apenas o desejo de crescer, e caímos do cavalo, ou se o desejo se consubstanciou nas decisões corretas, montamos no cavalo e realizamos nosso potencial de futuro.


Roberto Luis Troster, 53, professor titular do Departamento de Economia da PUC-SP, autor de "Economia do Setor Público" (Saraiva), é o economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos).


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