São Paulo, segunda-feira, 01 de janeiro de 2007

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2007, ano do clima

Estudo da ONU vai mostrar que seis dos sete anos mais quentes da história aconteceram na década em curso

NADA COMO uma transição no calendário para convidar à reflexão. Com a entrada do novo ano, avizinha-se outra data aguardada com justificada expectativa: 2 de fevereiro, quando virá a público o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC).
A cada cinco anos, o corpo de 2.500 especialistas reunidos pela ONU publica uma revisão com o estado da arte da pesquisa climatológica. O volume se torna então um vade-mécum de causas e efeitos do aquecimento global. Vale e é citado como evangelho, exceto pela minoria de cientistas que fizeram do ceticismo com o efeito estufa sua profissão de fé.
Por ora se conhecem só as linhas gerais do documento, em fase final de anotação por governos e cientistas. Versões preliminares têm sido reveladas pela imprensa, como ocorreu recentemente no diário espanhol "El País". O ponto crucial parece ser o fortalecimento da certeza com que se atribui a mudança climática à atividade humana.
O sistema do clima exibe ampla variabilidade natural e um sem-número de influências causais -dos ciclos de atividade solar à emissão de gases por vulcões. Céticos profissionais exploravam ao máximo a incerteza escrupulosamente registrada pelos autores do IPCC. Tal margem de manobra deve agora ser restringida: segundo o jornal espanhol, o texto cravará como "muito provável" -acima de 90% de certeza- que gases-estufa produzidos pelo homem sejam os responsáveis pelo aquecimento observado nas últimas cinco décadas.
O relatório deverá registrar fatos incontestes capazes de inverter a maré e arrastar a agenda internacional para a mudança climática planetária, de maneira mais irresistível que o Protocolo de Kyoto. Seis dos sete anos mais quentes de toda a história registrada foram observados neste século 21. A concentração do gás-estufa dióxido de carbono é a mais elevada em 650 mil anos; de 280 partes por milhão (ppm) no início da era industrial, está em 380 ppm e deve chegar a 500 ppm em 50 anos.
As previsões do relatório encerram maior potencial para sacudir opinião pública internacional e governos da letargia inoperante. A temperatura média da atmosfera deve subir entre 2C e 4,5C até o final do século, com o valor mais provável de 3C. Perturbação bastante para deslanchar fenômenos extremos, como furacões e secas devastadoras. Ou para elevar o nível dos mares em até 58 cm, por volta de 2100.
Há cada vez mais indícios de que isso possa já estar ocorrendo, como a onda mortal de calor de 2003 na Europa e a seca incomum na Amazônia em 2005. Se é por falta de certezas que nada se faz, eis aqui uma deveras preocupante: mesmo na implausível hipótese de a concentração atual de gases-estufa na atmosfera ser mantida, o que já seria catastrófico para a economia mundial, a temperatura subiria ainda 0,5C, por efeito inercial.
Seria auspicioso se 2007 entrasse para a história como o ano em que a humanidade se rendeu aos fatos básicos da física.


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