São Paulo, sexta, 1 de janeiro de 1999

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NOVA MOEDA, NOVO MUNDO

O nascimento do euro, a moeda única de 11 países europeus, é um desses raros acontecimentos que merecem, de fato, ser considerados "sem paralelo", como diz o habitualmente sóbrio FMI (Fundo Monetário Internacional). Afinal, trata-se de uma ocasião única em que um conjunto de países -de resto, entre os mais desenvolvidos do planeta- abandona voluntariamente uma fatia importante de sua soberania (a moeda) para adotar um padrão monetário comum. Se se considerar que são, além disso, países que passaram séculos envolvidos em guerras cruentas, a mudança de moeda torna-se evento ainda mais espetacular.
Mas, simbolismo à parte, o euro cria uma nova situação internacional que interessa de perto também aos países que não participam da experiência, o Brasil entre eles.
Primeiro, pela perspectiva de que o euro se transforme, a médio ou longo prazos, no primeiro desafio ao dólar como padrão hegemônico no cenário internacional, desde que a moeda norte-americana desbancou a libra esterlina, há cerca de 60 anos.
A hegemonia do dólar se dá, em boa medida, por serem os EUA o principal importador e exportador mundial. Os 11 países do euro passarão doravante a disputar essa condição com os EUA, o que torna razoável a previsão de que o euro poderá equiparar-se ou até ultrapassar o dólar.
Claro que tudo dependerá do grau de confiança do mercado na nova moeda. Hoje, o dólar, mais que a soma de todas as moedas européias, funciona como refúgio para momentos de intranquilidade ou desconfiança dos operadores internacionais. Se o euro for tão confiável quando a moeda norte-americana, é inevitável que haja procura por ele.
Dessa eventual nova situação, haverá igualmente decorrências políticas: a hegemonia norte-americana nas instituições internacionais será tão desafiada pela Europa quanto o dólar o será pelo euro. A princípio, possivelmente apenas nos organismos financeiros, como o FMI. Depois, em todas as demais instâncias, porque peso econômico e peso político costumam caminhar lado a lado no cenário internacional.
A menos que o euro se revele surpreendentemente um fracasso, o razoável é supor que o mundo caminhará rumo a uma bipolaridade desconhecida desde que o Muro de Berlim caiu e sepultou em seus escombros o único contraponto aos EUA -a ex-União Soviética.
Para o Brasil, essa nova perspectiva é francamente positiva. Situado, geograficamente, na esfera de influência dos EUA, o país tem dificuldades em resistir, por exemplo, à nova etapa de abertura econômica preconizada por Washington, na forma da Alca (Área de Livre Comércio das Américas, prevista para englobar os 34 países americanos, excluída apenas Cuba).
A Europa unificada também oferece ao Brasil (ao Mercosul, mais exatamente) a perspectiva de uma área de livre comércio. Se a Europa, com o euro, se tornar mais forte, abre-se a possibilidade de negociar melhores condições para aderir a uma ou a outra zona de livre comércio.
Sem mencionar o fato de que um mundo bipolar dá à diplomacia brasileira (como à dos demais países periféricos) a chance de um exercício pendular, entre os EUA e uma Europa de voz mais ativa, o que é sempre mais conveniente do que simplesmente reagir inocuamente à iniciativas norte-americanas ou, pior, submeter-se a elas, por falta de opção.



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