|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
FORÇA, RAZÃO E DIREITOS
As comemorações em torno dos 50
anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos reavivaram disputas
sobre a natureza e extensão desses
direitos. As discussões trouxeram à
tona o que se poderia chamar de três
atitudes teóricas a respeito da questão, segundo uma tipologia ideal: a
do cético, a do cínico e a do crente.
O cético duvida da existência de direitos humanos universais anteriores
à organização da vida social sob a regulação dos Estado Nacionais. Só
existem, pois, direitos criados ou reconhecidos por Estados soberanos.
Os meios internacionais para a proteção não passariam de declarações,
cuja medida de efetividade estaria
sempre condicionada ao seu reconhecimento pelo direito interno de
cada país. O cético prefere buscar no
capítulo dos direitos fundamentais
da Constituição de seu país o conjunto dos direitos humanos.
A visão do cínico é similar à do cético: reconhece a primazia do Direito
interno e estatal, mas difere sobre o
sentido que atribui às normas humanitárias. Acredita que os direitos humanos servem para escamotear relações de força. O que vale apenas é a
vontade do mais forte, e o conjunto
de declarações, tratados e convenções internacionais serviria para apaziguar os ânimos, sem alterar substancialmente a lógica do jogo.
Em larga desvantagem para sacar
alguma evidência a seu favor, há o
crente, que comemorou com entusiasmo o aniversário da declaração
na data de uma das decisões judiciais
contra Pinochet. Haveria uma incipiente, porém persistente, tendência
de reconhecimento dos direitos humanos universais que poderiam impor constrangimentos aos Estados.
Não há personagens que assumem
sem mescla apenas uma dessas fórmulas. Certamente, cada matiz tem
sua dose de acerto. Os direitos humanos seriam contingentes, também serviriam para angariar legitimidade e parecem indicar uma mutação na gravidade das fontes jurídicas
para a arena internacional.
O dilema comum às três é como escapar da seguinte equação: só existe
uma ordem social com sua sujeição a
um poder soberano, autorizado a
usar da coerção. É, pois, aceita pelos
três personagens a tese de que a última razão é a dos canhões.
Sem ceder a um ecletismo inconsistente, é possível conjecturar que a ordenação das regras internacionais e a
tensão entre o Direito interno e o Direito externo podem ser pensadas fora do dilema de quem é o guardião
que usa a força. A proposta pela criação de um Tribunal Penal Internacional talvez indique que, nas sociedades complexas, há uma procura por
foros comuns para a obtenção de
consensos, ainda que precários. Assim, a tônica deixaria de recair sobre
o uso exclusivo da força ou sobre
idéias abstratas do que seriam direitos humanos. Importante, em primeiro lugar, seria definir tais foros, a
partir dos quais se chegaria a um
consenso sobre as normas que deveriam ser aplicadas na prática.
Nesse cenário, onde argumentos
passariam a ter a força, os direitos
humanos poderiam encontrar uma
outra salvaguarda.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|