São Paulo, sexta, 1 de janeiro de 1999

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FORÇA, RAZÃO E DIREITOS

As comemorações em torno dos 50 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos reavivaram disputas sobre a natureza e extensão desses direitos. As discussões trouxeram à tona o que se poderia chamar de três atitudes teóricas a respeito da questão, segundo uma tipologia ideal: a do cético, a do cínico e a do crente.
O cético duvida da existência de direitos humanos universais anteriores à organização da vida social sob a regulação dos Estado Nacionais. Só existem, pois, direitos criados ou reconhecidos por Estados soberanos. Os meios internacionais para a proteção não passariam de declarações, cuja medida de efetividade estaria sempre condicionada ao seu reconhecimento pelo direito interno de cada país. O cético prefere buscar no capítulo dos direitos fundamentais da Constituição de seu país o conjunto dos direitos humanos.
A visão do cínico é similar à do cético: reconhece a primazia do Direito interno e estatal, mas difere sobre o sentido que atribui às normas humanitárias. Acredita que os direitos humanos servem para escamotear relações de força. O que vale apenas é a vontade do mais forte, e o conjunto de declarações, tratados e convenções internacionais serviria para apaziguar os ânimos, sem alterar substancialmente a lógica do jogo.
Em larga desvantagem para sacar alguma evidência a seu favor, há o crente, que comemorou com entusiasmo o aniversário da declaração na data de uma das decisões judiciais contra Pinochet. Haveria uma incipiente, porém persistente, tendência de reconhecimento dos direitos humanos universais que poderiam impor constrangimentos aos Estados.
Não há personagens que assumem sem mescla apenas uma dessas fórmulas. Certamente, cada matiz tem sua dose de acerto. Os direitos humanos seriam contingentes, também serviriam para angariar legitimidade e parecem indicar uma mutação na gravidade das fontes jurídicas para a arena internacional.
O dilema comum às três é como escapar da seguinte equação: só existe uma ordem social com sua sujeição a um poder soberano, autorizado a usar da coerção. É, pois, aceita pelos três personagens a tese de que a última razão é a dos canhões.
Sem ceder a um ecletismo inconsistente, é possível conjecturar que a ordenação das regras internacionais e a tensão entre o Direito interno e o Direito externo podem ser pensadas fora do dilema de quem é o guardião que usa a força. A proposta pela criação de um Tribunal Penal Internacional talvez indique que, nas sociedades complexas, há uma procura por foros comuns para a obtenção de consensos, ainda que precários. Assim, a tônica deixaria de recair sobre o uso exclusivo da força ou sobre idéias abstratas do que seriam direitos humanos. Importante, em primeiro lugar, seria definir tais foros, a partir dos quais se chegaria a um consenso sobre as normas que deveriam ser aplicadas na prática.
Nesse cenário, onde argumentos passariam a ter a força, os direitos humanos poderiam encontrar uma outra salvaguarda.



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