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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A lição da lama

Muita gente ainda se encontra em abrigos, salas de aula, aguardando acomodações melhores após as chuvas e inundações. Não estávamos preparados para a força das águas.
É preciso, no entanto, constatar a solicitude dos poderes públicos, atuando com presteza e eficácia em várias áreas atingidas. Sou testemunha do empenho da Prefeitura de Mariana (MG), por exemplo, e da atuação imediata do governador Aécio Neves e de seus cooperadores para socorrer as cidades em condições de calamidade e de emergência. Emocionou-me, por ocasião das chuvas mais intensas, a chamada telefônica do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, preocupado com as cidades danificadas na arquidiocese. Perguntou-me sobre o sofrimento do povo e nos assegurou das medidas a serem tomadas para concessão de recursos aos municípios necessitados. Essa colaboração em vários níveis do governo marca uma fase promissora para nosso povo, na qual as forças da sociedade e o governo rapidamente se conjugam para promover o bem comum.
As medidas para a restauração das cidades, incluindo casas, ruas e estradas, são custosas; requerem tempo e, portanto, perseverança na implementação das decisões governamentais. Fica, no entanto, a constatação do espírito de união que se manifestou desde as primeiras horas. Deus permita que essa atitude se concretize, torne-se constante e prepare nossas conquistas em benefício da população.
O povo simples marcou presença desde as primeiras enchentes. As águas levaram enxurradas de lama para dentro das casas: terra, roupas, móveis despedaçados, sujeira amontoada e perigo de infecções. Era urgente a remoção de toda essa lama. A prefeitura funcionou, com os caminhões. Os voluntários entravam nas casas e retiravam com pás o entulho, horas a fio, madrugada adentro, sem descanso. Foi uma demonstração nunca vista de solidariedade. Um morador cuja casa foi toda invadida pelos detritos dizia que jamais imaginara que tanta gente boa viria ajudá-lo. Limparam durante horas seu lar. Refletindo sobre o que via e vivia, afirmou que até então não se incomodara com as vítimas de enchentes, mas agora seria o primeiro a correr para auxiliar os outros que tinham vindo salvar seus pertences. São gestos de solidariedade que comovem e convertem.
Muita gente veio trazer roupas e comida para os centros de atendimento. De longe chegaram caminhões de outras cidades. As famílias, pouco a pouco, vão se ajeitando. Resta muito por fazer. E agora? É preciso aprender essa lição tão bela de auxílio fraterno, a fim de reconstruir as casas e dar aos atingidos, o quanto antes, condições de trabalho e sobrevivência.
Um evento tão doloroso como o das enchentes e inundações pode se tornar o início de uma cooperação maior entre as famílias, as organizações da sociedade e o poder público.
Vai progredindo no Brasil o programa Fome Zero e surgem muitas iniciativas para erradicar a miséria.
Deus seja louvado. Lembremo-nos, no entanto, de que a superação da fome requer de todos nós mudar de mentalidade e converter o coração. Temos que renunciar ao consumismo, ao desperdício e à acumulação abusiva de bens. Mais. É preciso descobrir a alegria cristã da partilha e a coragem de entrar na lama para ajudar o próximo, salvar-lhe a vida e os pertences.


D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.



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