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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A adoção de um modelo nacional de TV digital poderia criar reserva de mercado?

SIM

Um diálogo para evitar equívocos

MARCELO ZUFFO

O Brasil nos próximos meses será um dos últimos grandes mercados a enfrentar a questão da digitalização de seu sistema nacional de televisão. Hoje, praticamente não percebemos o legado da implantação da TV analógica, mas o país se destaca no mundo pelos vários aspectos positivos do sucesso dessa implantação. Daí o interesse sobre as nossas decisões ligadas à TV digital.
A televisão aberta no Brasil é um verdadeiro instrumento de coesão nacional e a única rede de telecomunicações com cobertura nacional gratuita para o consumidor -98 entre cada 100 brasileiros têm acesso a TV. Os serviços são prestados com razoável nível de competitividade entre as emissoras, empregando centenas de milhares de pessoas. Os televisores populares no Brasil possuem índice de nacionalização superior a 80%. Fabricamos ao ano 10 milhões de TVs, consumidas pela pirâmide social e exportadas.
O estabelecimento de um modelo brasileiro de TV digital é relevante para três setores fundamentais: o consumidor final, as concessionárias de TV e a indústria nacional.
Para o consumidor final, a digitalização propiciará o estabelecimento da maior rede de faixa larga digital popular e gratuita, com capacidade de recepção de informação multimídia praticamente comparável à internet 2, até mil vezes mais rápido do que qualquer modem hoje utilizado.
Assim, além de sua qualidade superior intrínseca (remoção de fantasma, maior resolução e alcance), a TV digital abre um panorama inédito de inclusão digital e aplicações domésticas que extrapola os usos da TV analógica, voltada ao entretenimento e à informação.
A convergência com outros meios de comunicação, como a telefonia fixa por exemplo, propiciará uma vasta gama de aplicações interativas avançadas, relacionadas a saúde, educação, governo eletrônico, serviços bancários, entretenimento interativo e internet em geral. Aí talvez resida uma grande oportunidade para o novo governo: a inclusão social por meio da inclusão digital.
Nenhum dos sistemas existentes de TV digital contempla a oferta desses serviços por meio de uma unidade de acesso aos serviços multimídia (que é acoplado à TV) no patamar de custo exigido pela nossa sociedade, ou seja, terminais com custo inferior a um terço do custo de um televisor popular ou aproximadamente R$ 100.
Às concessionárias de TV, a maioria com estúdios já preparados para a digitalização, cabe a maior parcela do ônus de investimento. São elas as responsáveis pela implantação da infra-estrutura digital. O modelo de negócios atual, também deve ser reavaliado e aprimorado, sob a perspectiva da qualidade e dos serviços interativos.
Para a indústria brasileira, a TV digital é a oportunidade de criar uma plataforma de exportação de uma base já estabelecida. Entretanto, vale enfatizar o baixo valor intelectual agregado aos nossos produtos e a necessidade da negociação para o estabelecimento de indústria de componentes semicondutores, o que reduziria o déficit de importação e o custo final do produto.
Os eventuais padrões desenvolvidos no Brasil só devem ser adotados após uma comparação exaustiva com os demais existentes. Essa avaliação criteriosa tornaria o nosso esforço em mais uma alternativa para outros países do mundo que ainda não definiram seus padrões. Cabe salientar que o Brasil foi o primeiro país do mundo a testar comparativamente os três padrões já existentes, tornando-se uma referência na área.
Como em qualquer processo de padronização mundial, a diversidade, a discussão e a análise transparentes devem ser contempladas. Os padrões não podem ser rígidos e fechados. Devem prever cenários de longo prazo fundamentados num intenso diálogo entre as partes interessadas. É importante reconhecer que o ciclo total de implantação da TV digital será longo (estimado entre oito e 20 anos), e a definição de padrões, políticas e modelos podem acelerar ou atrasar o cronograma de implantação.
A condução inadequada, sectária ou precipitada da escolha do modelo pode resultar em duas situações: ele pode não ser adotado como o padrão de fato pela sociedade, gerando enorme atraso da adoção da tecnologia, com implicações negativas para todos, em baixa qualidade dos serviços e custos; ou o estabelecimento de uma reserva de mercado implícita, no pior sentido do conceito, onde regras nocivas à competitividade e ao avanço tecnológico seriam naturalmente estabelecidas, incentivando o contrabando predatório à nossa indústria e desestimulando a elaboração de soluções próprias, relevantes para a nossa sociedade e para o mundo.


Marcelo Knörich Zuffo, 36, é professor da Escola Politécnica da USP. Doutor em engenharia elétrica pela USP, onde coordena o Grupo de Computação Visual e Meios Eletrônicos Interativos no Laboratório de Sistemas Integráveis.


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