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TENDÊNCIAS/DEBATES
A adoção de um modelo nacional de TV digital poderia criar reserva de mercado?
NÃO
Contra velhos preconceitos
EUGÊNIO STAUB
Entre os muitos desafios que tem
pela frente, o Brasil depara-se hoje
com a necessidade de definir a tecnologia a ser adotada na implantação da TV
digital no país. Dadas as implicações da
decisão a ser tomada, o tema precisa ser
tratado sem paixões nem preconceitos.
Exige objetividade, eleição de prioridades e o exame cuidadoso dos desdobramentos que a escolha terá a longo prazo.
Como todo desafio, também a escolha
de um sistema tecnológico digital oferece riscos e oportunidades. Felizmente,
neste caso, o Brasil tem a seu favor o fato
de essa decisão não fazer parte de sua
agenda de prioridades. Isso significa
que temos tempo para avaliar estrategicamente o que queremos, o que podemos extrair de benefícios a partir dessa
escolha e como maximizar o emprego
dessa tecnologia, otimizando a relação
custo-benefício de seu emprego.
Objetivamente, a implantação da TV
digital não é prioridade para o Brasil.
Trata-se de um produto caro, de um
bem de consumo a que muito poucos
brasileiros terão acesso. Vale lembrar
que dos 54 milhões de televisores hoje
existentes por aqui, 47% usam apenas
antenas internas. A assinatura de TV
paga permanece restrita a 7,5% dos lares brasileiros.
Naturalmente, não estamos defendendo o alijamento do consumidor brasileiro dos benefícios que a TV digital e a
tecnologia por ela exigida oferecem. A
questão que se sustenta é a necessidade
de focalizar o debate em torno do que
esse sistema pode efetivamente oferecer
às demandas prioritárias do Brasil e
quais os custos de oportunidade com os
quais o país poderá arcar, caso a discussão se limite à mera escolha imediatista
entre os sistemas hoje oferecidos por
Estados Unidos, Europa e Japão.
Não fosse assim, China e Austrália
não estariam debruçados sobre o desenvolvimento de tecnologias próprias.
Nem os americanos, europeus e japoneses estariam empenhando tanto esforço
e lobby profissional para conquistar
mercados que lhes garantam um retorno excepcional a partir de receitas obtidas por meio do recebimento de royalties.
No mundo atual, seria ingenuidade
defender o desenvolvimento de uma
tecnologia absolutamente independente. Mas iniciativas que busquem a redução desse tipo de dependência são factíveis e necessárias. De imediato, elas podem gerar empregos de alta qualificação e desenvolver conhecimento.
O debate que ora se trava em torno da
tecnologia a ser adotada na implantação
da TV digital, como se vê, pode abrir
muitas frentes ao país e em um curto espaço de tempo. A excelência brasileira
no desenvolvimento de softwares é internacionalmente reconhecida. Contamos com cérebros capazes de, no prazo
de dois anos, desenvolver um sistema
que atenda, sob medida, nossas necessidades, compatibilizando a relação custo/benefício necessária a qualquer negócio. E também ajude a equilibrar a balança comercial e contribua para que o
país venha, no futuro, a se beneficiar de
desdobramentos de um conhecimento,
cuja plena utilização ainda não está
completamente mensurada.
É importante salientar que o ministro
das Comunicações, Miro Teixeira, surpreendeu a todos do segmento de TV
no Brasil quando defendeu o desenvolvimento de um sistema brasileiro de TV
digital. Surpreende-nos porque estávamos acostumados a governos que não
acreditavam na capacidade tecnológica
brasileira e estavam resignados de que o
Brasil seria eternamente dependente
dos países centrais em termos de tecnologia.
Ninguém está pleiteando favores estatais para um determinado setor. Está,
sim, propondo que se examine essa
questão diante de um horizonte bem
mais amplo e a partir de uma reflexão
capaz de reavaliar princípios que frequentemente suscitam preconceitos.
Temos condições de construir um sistema inteligente de TV digital sem reinventar o que já oferecem os americanos,
europeus e japoneses. Podemos criar
um consórcio de entidades sem fins lucrativos que se encarregue de desenvolvê-lo. Uma decisão desse porte não nos
imporia isolamento tecnológico nem
nos impediria de acompanhar os avanços que venham a ser obtidos no futuro.
Por fim, uma opção como essa poderia
fortalecer o Brasil como natural base exportadora na América do Sul.
Há razões de sobra para rever velhos
preconceitos.
Eugênio Staub, 61, empresário, é presidente da
Gradiente.
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