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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A adoção de um modelo nacional de TV digital poderia criar reserva de mercado?

NÃO

Contra velhos preconceitos

EUGÊNIO STAUB

Entre os muitos desafios que tem pela frente, o Brasil depara-se hoje com a necessidade de definir a tecnologia a ser adotada na implantação da TV digital no país. Dadas as implicações da decisão a ser tomada, o tema precisa ser tratado sem paixões nem preconceitos. Exige objetividade, eleição de prioridades e o exame cuidadoso dos desdobramentos que a escolha terá a longo prazo.
Como todo desafio, também a escolha de um sistema tecnológico digital oferece riscos e oportunidades. Felizmente, neste caso, o Brasil tem a seu favor o fato de essa decisão não fazer parte de sua agenda de prioridades. Isso significa que temos tempo para avaliar estrategicamente o que queremos, o que podemos extrair de benefícios a partir dessa escolha e como maximizar o emprego dessa tecnologia, otimizando a relação custo-benefício de seu emprego.
Objetivamente, a implantação da TV digital não é prioridade para o Brasil. Trata-se de um produto caro, de um bem de consumo a que muito poucos brasileiros terão acesso. Vale lembrar que dos 54 milhões de televisores hoje existentes por aqui, 47% usam apenas antenas internas. A assinatura de TV paga permanece restrita a 7,5% dos lares brasileiros.
Naturalmente, não estamos defendendo o alijamento do consumidor brasileiro dos benefícios que a TV digital e a tecnologia por ela exigida oferecem. A questão que se sustenta é a necessidade de focalizar o debate em torno do que esse sistema pode efetivamente oferecer às demandas prioritárias do Brasil e quais os custos de oportunidade com os quais o país poderá arcar, caso a discussão se limite à mera escolha imediatista entre os sistemas hoje oferecidos por Estados Unidos, Europa e Japão.
Não fosse assim, China e Austrália não estariam debruçados sobre o desenvolvimento de tecnologias próprias. Nem os americanos, europeus e japoneses estariam empenhando tanto esforço e lobby profissional para conquistar mercados que lhes garantam um retorno excepcional a partir de receitas obtidas por meio do recebimento de royalties.
No mundo atual, seria ingenuidade defender o desenvolvimento de uma tecnologia absolutamente independente. Mas iniciativas que busquem a redução desse tipo de dependência são factíveis e necessárias. De imediato, elas podem gerar empregos de alta qualificação e desenvolver conhecimento.
O debate que ora se trava em torno da tecnologia a ser adotada na implantação da TV digital, como se vê, pode abrir muitas frentes ao país e em um curto espaço de tempo. A excelência brasileira no desenvolvimento de softwares é internacionalmente reconhecida. Contamos com cérebros capazes de, no prazo de dois anos, desenvolver um sistema que atenda, sob medida, nossas necessidades, compatibilizando a relação custo/benefício necessária a qualquer negócio. E também ajude a equilibrar a balança comercial e contribua para que o país venha, no futuro, a se beneficiar de desdobramentos de um conhecimento, cuja plena utilização ainda não está completamente mensurada.
É importante salientar que o ministro das Comunicações, Miro Teixeira, surpreendeu a todos do segmento de TV no Brasil quando defendeu o desenvolvimento de um sistema brasileiro de TV digital. Surpreende-nos porque estávamos acostumados a governos que não acreditavam na capacidade tecnológica brasileira e estavam resignados de que o Brasil seria eternamente dependente dos países centrais em termos de tecnologia.
Ninguém está pleiteando favores estatais para um determinado setor. Está, sim, propondo que se examine essa questão diante de um horizonte bem mais amplo e a partir de uma reflexão capaz de reavaliar princípios que frequentemente suscitam preconceitos.
Temos condições de construir um sistema inteligente de TV digital sem reinventar o que já oferecem os americanos, europeus e japoneses. Podemos criar um consórcio de entidades sem fins lucrativos que se encarregue de desenvolvê-lo. Uma decisão desse porte não nos imporia isolamento tecnológico nem nos impediria de acompanhar os avanços que venham a ser obtidos no futuro. Por fim, uma opção como essa poderia fortalecer o Brasil como natural base exportadora na América do Sul.
Há razões de sobra para rever velhos preconceitos.


Eugênio Staub, 61, empresário, é presidente da Gradiente.


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