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MÁRIO MAGALHÃES
Brasis
RIO DE JANEIRO - O Brasil mais
generoso e o Brasil mais egoísta se
cruzaram numa jornada trágica iniciada na madrugada de domingo.
Em um barraco da Baixada Fluminense, moravam a octogenária Jandira Almeida e sua neta Joana, 17,
grávida de nove meses. Sobreviviam da aposentadoria da avó.
Quando a garota passou mal, o
Brasil generoso compareceu no socorro do vizinho que a levou de caminhão para uma maternidade municipal de Duque de Caxias. O
egoísta, conforme o testemunho da
família, impediu que houvesse pelo
menos um anestesista de plantão.
Em outro hospital do município,
Joana se assustou com os resmungos sobre o descalabro no atendimento e partiu. Nova carona solidária a deixou no centro do Rio.
Na Pró-Matre, maternidade particular conveniada ao SUS, o Brasil
egoísta deu as caras na frase que
uma prima de Joana conta ter sido
pronunciada por uma médica: "Na
hora de fazer neném você não sabia
que ia doer? Dá seu jeito agora". A
Pró-Matre disse que a paciente foi
"medicada e liberada". Poderia
emendar: liberada para a morte.
Aos prantos na calçada, Joana foi
acudida pelo Brasil generoso, na
pessoa de um desconhecido que lhe
emprestou dinheiro para correr de
táxi ao hospital federal do Andaraí.
Quase 24 horas depois de sair de
casa, ela morreu nas mãos dos médicos. Antes, seu menino nascera
morto. Longe da saúde indigente,
este Brasil egoísta, suas chances se
multiplicariam. Eis o país: superávit primário, déficit de vidas.
O Brasil generoso chorou na despedida. O Brasil egoísta não deu um
caixão só para o bebê: Ronald, este
seria o seu nome, foi enterrado junto com a mãe. O repórter Italo Nogueira ouviu o lamento da avó:
"Era" só eu e ela dentro daquele
barraco. O que vai ser de mim?".
mariomagalhaes@folhasp.com.br
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