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CARLOS HEITOR CONY
Otários
RIO DE JANEIRO - Amigo meu
foi com a namorada passar o Carnaval em Búzios. Pegou um congestionamento de 25 quilômetros na estrada da Manilha e foi assaltado por
dois bandidos, que nem usavam capuzes para não chamar a atenção
dos outros carros engarrafados.
Recebeu ordem de ir em frente,
no ritmo lento do tráfego, se desse
algum sinal acusando o assalto, seria sacrificado na hora. O jeito foi
obedecer. Quando o trânsito melhorasse, os bandidos ficariam com
o carro e libertariam os dois. O que
realmente aconteceu, hora e meia
mais tarde.
Da experiência de dirigir com
uma arma na nuca, o meu amigo
guardou um detalhe que o impressionou. O calor era muito, sol forte.
Aproveitando centenas de carros
engarrafados, vendedores de água,
de refrigerantes e de biscoitos passavam entre as filas, suando como
demônios em fornalhas coletivas.
Um dos bandidos sentiu sede, mandou que o outro providenciasse
uma Coca-Cola: "Pede a esse otário
uma coca geladinha".
O meu amigo pensou que o otário
em questão fosse ele mesmo: além
de estar sendo assaltado, teria de
pagar uma Coca para o bandido.
O otário era o vendedor, um sujeito forte, com a pele tostada brilhando de suor, ganhando trocados
na manhã de sol -se conseguisse
vender todo o estoque que trazia
nas costas, mal teria dinheiro para
o almoço à beira da estrada. Um
otário.
Com uma arma roubada por aí,
ele poderia estar dentro do carro refrigerado, mais um pouco e teria o
carro todo para passar o Carnaval.
Enquanto houver otários no mundo, é mole trabalhar sem pegar no
pesado. Ser apanhado pela polícia é
um acidente de percurso, um risco
do "metier".
Estatisticamente, ele poderia se
refrescar com a Coca, ficar com o
carro e ganhar o seu dia.
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