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Território invadido
Ataques do presidente Lula a um ministro do Supremo são espetáculo constrangedor de descontrole e truculência
TOMOU UMA NOITE de folga,
ao que tudo indica, o estilo "Lulinha paz e amor."
Quem entrou em cena,
numa cerimônia realizada anteontem em Aracaju, foi um presidente da República desequilibrado e truculento, vociferando
do palanque despropositadas
provocações a um Poder autônomo da República.
Seria bom se o Judiciário, disse
Lula a plenos pulmões, "metesse
o nariz apenas nas coisas dele".
Com gestos enfáticos, classificou
de "sandices" e "bobagens" as
opiniões de um ministro do Supremo Tribunal Federal. O alvo
de seus ataques, mesmo sem ter
sido citado nominalmente, era
fácil de identificar.
Trata-se do ministro Marco
Aurélio Mello, que é também
presidente do Tribunal Superior
Eleitoral. Quanto ao que motivou o surto do presidente, não se
guardam segredos sobre seu
contexto imediato.
Numa iniciativa de flagrante
conteúdo eleitoreiro, o Executivo se lança num vasto programa
de benefícios sociais, intitulado
"Territórios da Cidadania", meses antes da realização dos pleitos municipais. Serão distribuídos mais de R$ 11 bilhões em 958
municípios brasileiros. A legislação proíbe, todavia, a criação de
novos programas e o aumento de
gastos sociais em ano eleitoral.
Questionado judicialmente
pela oposição, o "Territórios da
Cidadania" suscitou imediata
crítica de Marco Aurélio Mello,
ávido de externar suas opiniões
na imprensa. Não é a primeira
vez que o presidente do TSE
abandona a discrição que convém a seu cargo. Contudo, se o
ministro falou demais, o presidente da República perdeu uma
ótima ocasião para ficar calado.
Diante de uma platéia pronta a
aplaudi-lo, Lula conferiu a seu
pronunciamento um tom de inaceitável desafio: que o ministro
se demita de seu cargo, exaltou-se, se quiser imiscuir-se na política. Embalado na seqüência de
comícios em que consumira
aquela quinta-feira, o presidente
invadiu, nos trancos e barrancos
de uma oratória sem controle, o
território autônomo das atribuições do Poder Judiciário.
À oposição não faltaram as críticas de praxe. Lula acusou-a de
não ter governado quando estava
no poder e de agora querer impedi-lo de fazer política social.
Nada impedia, contudo, o governo Lula de ter criado o "Territórios da Cidadania" em anos anteriores. Nada impedia sua base
parlamentar de propor alterações na legislação eleitoral, em
vigor desde 1997. Mas o presidente está em campanha: "A partir de agora são dois dias da semana em Brasília, e o resto andando pelo país."
Que passe o tempo em palanques não é novidade. Que se exponha ao ridículo nas algaravias
que improvisa tampouco é incomum. Mas que o presidente pretenda desequilibrar o jogo eleitoral com programas de legalidade
no mínimo discutível, e que justifique sua atitude numa linguagem intoxicada de grosseria e
impropério, é novidade até mesmo para os padrões de despreparo e demagogia que lhe são costumeiros; Lula passa, sem dúvida, dos próprios limites.
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