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O STF deve proibir as pesquisas com células-tronco embrionárias?
NÃO
Entre células e pessoas: a vida humana
LUIZ EUGENIO MELLO
NASCER, VIVER, morrer. Eventos claros, concretos, sobre os
quais não temos dúvidas. Nada pode ser mais longe da verdade. É
claro que para a maioria das situações
é isso mesmo. Mas nas situações-limite, as certezas se tornam fumaça, e
as possibilidades se ampliam. Assim,
a definição de morte para o ser humano é, ainda hoje, objeto de discussão.
A definição mais amplamente aceita
considera que a morte do ser humano
decorre da parada irreversível das
funções cerebrais. O traçado do registro eletrencefalográfico do córtex cerebral isoelétrico, isto é, ausência de
sinal por determinado período de
tempo, permite, no Brasil e na imensa
maioria dos países, o diagnóstico de
morte cerebral. No Japão, só em 1997
essa definição passou a ser aceita.
O que levou a estabelecer essas definições? Qual o motor dessas mudanças? Certamente, o avanço da
ciência e a perspectiva ampliada dos
transplantes de órgãos, pois foi a descoberta de drogas imunossupressoras
mais potentes e menos tóxicas que
permitiu um grande salto na área de
transplantes. Com isso, veio a necessidade jurídica de um marco legal claro e preciso que fundamentasse a remoção de órgãos e assim permitisse o
milagre do renascimento para milhares de pessoas. Mas não seria a morte
a parada do coração? Ou a parada da
respiração, o sopro da vida? Certamente, é possível definir a morte com
bases em outros critérios. Dessa forma, como qualquer definição humana, mesmo essa, que à primeira vista
parece inequívoca, é resultado do arbítrio humano e, portanto, objeto de
controvérsias. É, sobretudo, estabelecida de acordo com usos, costumes e
possibilidade de cada sociedade.
Assim também é a definição de vida, ou melhor, da vida de um ser humano. A maioria de nossas células
tem vida. Nosso sangue, por exemplo,
é um material biológico vivo. Mas o
direito brasileiro entende que podemos colher células humanas vivas.
Estudá-las, usá-las para diagnóstico e
para tratamentos. Podemos manipular essas células. Podemos aplicar toxinas e observar suas reações. Em todo o mundo, laboratórios de pesquisa
mantêm diferentes células humanas
em cultura. No Brasil, centenas de laboratórios de pesquisa alimentam e
reproduzem células humanas em recipientes de vidro e de plástico. Dependendo da pesquisa, algumas dessas células são inclusive imortalizadas. Sempre que manipuladas em laboratório, essas células estão sujeitas
a considerações de natureza ética.
São amparadas por regras e leis que
definem como podem ser usadas.
Portanto, seu uso é justificado e permitido. Destruir uma célula não equivale a destruir um ser humano. Matar
uma célula não corresponde a matar
um ser humano.
Essa dimensão está na base do julgamento que se aproxima, no Supremo Tribunal Federal. É permitido o
uso de células-tronco embrionárias,
segundo a Lei de Biossegurança,
aprovada pelo Congresso Nacional
em 2005? Ou seria o seu uso um atentado à vida, um direito básico do ser
humano e protegido pela Constituição? O cerne da discussão é sobre o
inicio da vida, no sentido do surgimento de um novo ser humano. Mas
esses limites não são claros. Os limites tornam-se ainda mais nebulosos
quando essas células-tronco embrionárias nunca estiveram em um corpo
humano. Células-tronco embrionárias produzidas em laboratório merecem cuidados. Mas são células. Não
são pessoas dotadas de direitos.
Milagres, como sabemos, são raros.
Para todos os transplantados de coração, fígado, rim, medula óssea, esse
milagre ocorreu. Renasceram. Adiaram o inevitável confronto com a
morte. As pesquisas com células-tronco propõem o mesmo tipo de milagre. Um embrião produzido em laboratório, sem condições para implantação em um útero de uma mulher, ou nos termos da lei, um embrião inviável, que seria descartável,
não é uma pessoa humana. O entendimento de que esse embrião inviável
é um conjunto de células, mas não é
uma pessoa humana, permite que a
ciência avance e que possamos sonhar com novos milagres.
LUIZ EUGENIO MELLO, 50, médico, é pró-reitor de graduação da Universidade Federal de São Paulo e presidente
da Federação de Sociedades de Biologia Experimental.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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