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MARINA SILVA
Sem verbo e sem pão
OS RECENTES acontecimentos em Cuba, com a morte
de um dissidente após prolongada greve de fome, trazem de
novo à tona duas posturas opostas.
A que se sente constrangida, mas
não tem coragem de fazer a necessária crítica política ao regime, com
base no compromisso com a observância dos direitos humanos, do direito à informação e da liberdade
de expressão e opinião. E a que se
aproveita da ocasião para, como faz
sempre, desqualificar totalmente
Cuba, desconsiderando o marco
histórico continental e global que
foi a rebelião vitoriosa, em meados
dos anos 50 do século passado,
contra o jugo corrupto e brutal de
Fulgêncio Batista, exercido com o
beneplácito dos Estados Unidos.
A Revolução Cubana, não sem
razão, inspirou ideais de justiça e
igualdade na juventude em todo o
mundo. É preciso lembrar as conquistas do povo cubano desde então, sobretudo nas áreas de saúde e
educação. Em 2009, relatório da
Unicef mostrou que Cuba tem o
menor índice de desnutrição infantil severa entre os países da
América Latina e do Caribe. Isso
apesar do bloqueio comercial, econômico e financeiro estabelecido
em 1962 pelos Estados Unidos e vigente até hoje.
Não adianta, portanto, ser simplista no caso de Cuba. De um lado,
é preciso articular a comunidade
internacional -e o Brasil tem todas as condições para liderar esse
esforço- para um movimento decisivo junto aos Estados Unidos
para rever esse bloqueio vergonhoso. De outro, é preciso assumir a
crítica aos erros do regime. Mesmo
toda a solidariedade às conquistas
da revolução e o reconhecimento
do mérito individual de Fidel Castro não justificam o silêncio, até
porque a esquerda brasileira e internacional democráticas não podem defender hoje nada menos do
que o laço indissociável entre justiça social, democracia e liberdade.
Qualquer governante que tente
se perpetuar no poder ignorando
tais princípios perde de vista o
que seria seu objetivo ao buscar o
governo.
Acredito que, em lugar da omissão diante de violações dos direitos
humanos e da inviabilização de
oposição política pacífica, é preciso
ampliar o diálogo e evoluir para
uma postura decisiva de negociação, de modo a ajudar a desemperrar o caminho de Cuba em direção
ao desfecho digno de sua luta.
Que a morte de Orlando Zapata,
em decorrência da fome de verbo e
de pão, possa alimentar um intenso debate, principalmente por parte dos aliados de Cuba, sobre a necessidade de transitar de forma
clara e pactuada para a vigência de
um regime popular democrático,
que complete ainda que tardiamente o sonho da revolução.
contatomarinasilva@uol.com.br
MARINA SILVA escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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