São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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A NOVA FITA

Dá margem a mais de uma leitura o diálogo travado entre o subprocurador da República José Roberto Santoro e o empresário de jogos Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em fita que veio à tona anteontem. É elementar que a interpretação mais conveniente para o Planalto -e já assumida sem hesitações por muitos- é a de que Santoro teria admitido estar deliberadamente empenhado em golpear o ministro José Dirceu e o governo petista.
Como a gravação indica, Santoro tentava "legalizar" a fita de vídeo que acabou em mãos da revista "Época", contendo a famigerada conversa de Waldomiro Diniz com Carlos Ramos. Ao pressionar Cachoeira para entregar-lhe a gravação, o subprocurador avisa que seu chefe, o procurador-geral da República, Cláudio Fontelles, estaria por chegar e, se isso ocorresse, iria considerar que ele, Santoro, estaria ali de madrugada em maquinações com o intuito de "acabar com o governo Lula".
O fato de o subprocurador acreditar que seu superior hierárquico reagiria de tal forma não se confunde com a admissão de que seu real propósito seria atingir o governo. Fica, sem dúvida, a suspeita de que assim poderia ser, mas a confirmar-se em apuração mais aprofundada do episódio -que precisa ter lugar.
Não é apenas essa passagem a exigir esclarecimentos. O subprocurador faz também equívoca menção à hipótese de a fita de vídeo, no caso de ser apreendida pela Polícia Federal, acabar em mãos do ministro da Justiça e, por conseguinte, de seu colega Dirceu e do presidente da República.
Além disso, mesmo que não se possa extrair da conversa a convicção de que Santoro preparava uma armadilha para o governo, não deixa de causar estranheza o fato de que tenha agido em questão tão sensível sem avisar o procurador-geral. Talvez o conhecido alinhamento de Fontelles com os interesses do Planalto tenha pesado na decisão.
A nova fita reforça as apreensões já generalizadas quanto à excessiva politização do Ministério Público. Antes, eram os petistas acusados de manipular escândalos; agora, são seus oponentes. É exatamente pelo fato de estar sempre sujeito a ser acusado de agir movido por interesses políticos que o MP precisa atuar de forma irrepreensível.


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