São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Juventude e projeto nacional

PATRUS ANANIAS


A violência faz parte da história brasileira há exatos 5 séculos, sobretudo contra os pobres, num processo sistemático de agressão


O TEMA não é novo. Mas vem tomando ares de emergência ao longo do tempo, à medida que avança a crise do neoliberalismo e na mesma medida da gravidade dos problemas sociais de nossa dívida histórica que no presente nos esforçamos por resgatar. O que temos a oferecer para os jovens, em especial para os jovens pobres que vivem nos grandes centros urbanos?
A realidade que se apresenta como desafiadora inclui famílias desintegradas, pouca ou nenhuma perspectiva, desemprego, trabalho infantil em condições degradantes, violência sexual contra crianças e adolescentes, prostituição infantil, fome.
Tudo contribui para alimentar um quadro de déficit de esperança entre a juventude, formando um dos principais desafios sobre o qual estamos debruçados todos, governo e sociedade.
Uma das faces mais evidentes desse desafio que se impõe é o crescimento da criminalidade da qual todos somos vítimas -mas é a juventude que sofre particularmente.
Nossas estatísticas apontam o homicídio como a principal causa de morte entre jovens de 15 a 24 anos. Só nas dez regiões metropolitanas, foram mais de 18 mil jovens mortos por homicídio em 2004, como denuncia uma pesquisa da OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura).
A juventude comparece como vítima e como instrumento da criminalidade, sobretudo do crime organizado. A violência faz parte da história brasileira há exatos cinco séculos, sobretudo contra os pobres, num processo sistemático de agressão: os genocídios dos índios, a escravidão, as condições degradantes de vida. Prossegue a mesma essência violenta no caráter patrimonialista que marcou a criação do Estado, onde a impunidade acoberta as mais diversas formas de atrocidade não apenas contra a vida e contra a cidadania mas também contra o patrimônio público.
O Estado evolui, em leis, normas e procedimentos democráticos e, no entanto, persiste um quadro de criminalidade alimentado pelas profundas desigualdades sociais resultantes do pernicioso processo de formação do Estado brasileiro.
Todos somos afetados por esses problemas. Mas não há dúvidas de que as principais vítimas continuam sendo as mesmas dos séculos de exclusão social, e essa é uma parte importante de nossa dívida.
O perfil do principal grupo de risco para mortalidade por homicídio no Brasil, segundo a OEI, não deixa dúvidas: adolescente, homem, negro, morador de bairros pobres ou em periferias das grandes cidades, com baixa escolaridade e pouca qualificação profissional.
A juventude se torna cada vez mais o centro de ações políticas intersetoriais. Isso inclui, sem dúvida, a educação. Mas inclui também a capacitação profissional vinculada às vocações locais e regionais, integração comunitária, atividades esportivas, culturais e artísticas, inclusão digital.
Para além da inadiável questão da valorização da escola, devemos trabalhar métodos pedagógicos de interação, integração e acolhimento que envolvam toda a comunidade e permita ao jovem aplicar seus talentos, com objetivo de sustentar sua inserção na vida coletiva.
É um propósito que não alcançaremos com ações isoladas. Com isso, incorporamos novos paradigmas às políticas sociais, para que assegurem a quebra do ciclo vicioso da pobreza e da criminalidade. As crianças que estão chegando devem ter direitos e oportunidades que não foram oferecidos às gerações anteriores.
O legítimo desejo de segurança só se materializa no trabalho por uma segurança plena, em iguais condições para todos, a partir da construção de uma nação menos desigual e mais justa -o que exige a mobilização da sociedade inteira.
Além da essencial ação do Estado criando as condições materiais para promover a nova realidade, a sociedade é chamada à reflexão para rever e recuperar valores fundamentais das nossas relações e de nossos vínculos familiares e fraternos.
As desigualdades gritantes que alimentam a violência entre nós são ainda mais estimuladas pelo consumismo, pelo hedonismo, pelo individualismo, compondo um quadro perverso de intolerância. A vida deve ser a medida de todas as coisas, e devemos trabalhar para resgatar essa verdade.
Que todos façamos nossa parte.

PATRUS ANANIAS DE SOUSA , 55, advogado, é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Foi prefeito de Belo Horizonte em 1993-1996.


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