São Paulo, segunda-feira, 01 de maio de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Por que Lula continua competitivo?

NEY FIGUEIREDO

Diante da sucessão de escândalos, por que a avaliação pessoal de Lula não cai na velocidade que era de se esperar? Será que estamos lendo o estado de ânimo do eleitor corretamente?
Creio que a resposta está no exame de uma série de dados, que devem ser avaliados conjuntamente.


Quando está disseminada pela massa e nas relações entre as elites, a corrupção pode não ser inteiramente disfuncional


Lula está blindado pela sua história: o trabalhador humilde com cara do povo que chegou à presidência da República. É carismático e comunica-se com grande facilidade, apesar de tropeçar na gramática aqui e ali. Os programas sociais que implementou, embora deixem a desejar, estão trazendo benefícios imediatos com as populações mais carentes, principalmente no Norte e Nordeste. O mercado de trabalho formal aumentou e, pela primeira vez nas últimas décadas, a distribuição de renda apresentou leve melhoria. A cesta básica continua cabendo tranqüilamente no orçamento do trabalhador. Os números do desempenho da economia do seu governo, se comparados aos do segundo mandato de FHC, são muito superiores, embora beneficiados pela conjuntura internacional mais favorável.
É verdade que existe contra ele uma montanha de acusações bem fundamentadas pelas CPIs e, principalmente, a peça arrasadora produzida pelo procurador-geral da República.
Todavia, quanto tais fatos considerados isoladamente têm motivado os eleitores em diferentes países a tomar pelo voto uma atitude de condenação?
Ao longo da história, a gente vê os notáveis efeitos da corrupção no funcionamento dos sistemas políticos. Quando ela está disseminada pela massa e nas relações entre as elites, podem não ser inteiramente disfuncionais. "Em um sistema jurídico profundamente formalista e burocrático", como o nosso, "ela pode até contribuir para melhorar o funcionamento do sistema para o tornar mais expedito e desbloquear certas situações" ("Dicionário Político", Bobbio, Mateuci e Pasquino).
Todos se utilizam dela, seja para conquistar, seja para manter o poder, principalmente as elites. Em determinados momentos ela passa a fazer parte dos usos e costumes, sobrepondo-se às normas jurídicas.
Existe, contudo, um limite para essa tolerância, que é bastante elástica. Os grupos sociais têm suas fronteiras dadas exatamente pelos limites dentro dos quais se praticam usos e costumes aceitos, mesmo que ao arrepio da lei universal. Em determinado momento, pelo quadro formado, a sociedade brasileira considerou que Fernando Collor havia ultrapassado esse limite. E ele foi expelido. Maluf, ao contrário, embora bombardeado impiedosamente por inúmeras denúncias e processos judiciais, durante as décadas de 60, 70 e 80, colheu triunfos retumbantes em São Paulo, o nosso maior colégio eleitoral, em 3 eleições consecutivas: 1990, para governador (perdeu para Luis Antonio Fleury no interior, mas ganhou na capital), em 1992, quando se elegeu prefeito, e em 1996, em que elegeu na base do seu prestigio pessoal Celso Pitta, até então um ilustre desconhecido. E ainda foi para o segundo turno em 1998, com Mario Covas, perdendo nos debates televisivos finais.
Só com a bandeira de combate à corrupção, Alckmin, embora possa exibir excelentes números do seu governo, não vai chegar lá. Quais são as suas propostas concretas? Em que medida o povo será beneficiado por elas? Ele vai ter mais produtos em sua cesta básica por valores mais baixos? Seu governo vai ser uma continuação de FHC, que se exauriu no primeiro mandato?
Alckmin é um político racional, honesto, com boa postura pessoal, mas com grande dificuldade de comunicação. Quando tenta improvisar ou fazer frases de efeito, é um completo desastre. Não está fácil reunir os aliados em torno do seu nome.
Na verdade, ele é uma figura nova no PSDB, não podendo ser considerado um cardeal do partido. Não diminuindo os seus méritos, é necessário reconhecer que chegou onde chegou na sua carreira política graças a Mario Covas e ao acaso. Para agravar a sua situação, tem Garotinho nos seus calcanhares, que já aparece com 17% de intenção de votos em algumas pesquisas de opinião. Se vencer a dificílima disputa para ser o candidato do seu partido (PMDB), poderá surpreender com seu discurso populista, que tanta aprovação tem conseguido em alguns países da América Latina.
Lula, ao contrário, conquistou cada pequeno espaço com as sua próprias mãos. E os relatórios produzidos não o incriminaram diretamente. Seu problema é que, agora, está sozinho. Seus companheiros de luta, pelo menos alguns dos mais expressivos, naufragaram num mar de lama. E ainda existe um arsenal de acusações armazenadas pela oposição a serem utilizadas contra ele durante a campanha política. É difícil afirmar, agora, quais serão os seus efeitos práticos nas intenções de voto em outubro.

Ney Figueiredo, consultor político, é membro do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp e autor de, entre outros, "Diálogos com o Poder" (Cultura).


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Paulo Pereira da Silva: Menos impostos, mais empregos

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.