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MARCIO AITH
As três mortes de João
SÃO PAULO - João Herbert vestia um uniforme laranja de presidiário
quando o entrevistei pela primeira
vez, em fevereiro de 2000, numa cadeia na cidade de Medina, no Estado
de Ohio. Ele tinha 21 anos. Nascera
no Brasil e chegara aos EUA aos sete,
adotado por uma família dos arredores da cidade de Cleveland.
Herbert não falava português, não
tinha contatos no Brasil e sua única
memória do país de nascimento
eram flashes. "Vivia num orfanato
em São Paulo, num lugar com um
nome esquisito [bairro de Carapicuíba]. Me lembro de algumas imagens,
da quadra de futebol, dos arranha-céus e de uma piscina sem água", disse ele na ocasião. Nos EUA, ainda
menor de idade, fora preso por tentar
vender maconha a um policial disfarçado. Por isso, estava sob ameaça
de deportação, pois caíra no lodaçal
de duas aberrações legais. Os EUA, à
época, não concediam automaticamente a nacionalidade americana a
adotados. Além disso, a lei de imigração mudara após o atentado que tinha destruído um prédio federal em
Oklahoma em 1995. Estrangeiros
condenados por quaisquer crimes
passaram a ser deportados depois de
cumprirem suas penas. Ou seja, uma
criança adotada e infratora equiparava-se a um terrorista estrangeiro.
"É como se eu não tivesse país, não
pertencesse a lugar nenhum", disse
ele naquela conversa. "Nasci brasileiro, me transformei em americano e
querem que vire brasileiro de novo."
Herbert foi deportado, depois de
mofar na cadeia por 28 meses, durante os quais me telefonava com freqüência. Demonstrava medo. Também perguntava como eram as mulheres e os empregos brasileiros. Ao
chegar ao Brasil, foi morar em Campinas, a convite de um pastor batista.
Deu aulas de inglês, casou-se e separou-se. Na semana passada, foi assassinado com seis tiros perto de sua casa, no bairro Jardim São Pedro de Viracopos. A polícia credita o crime a
dívidas com traficantes, mas ninguém sabe ao certo o que ocorreu.
Herbert viveu o pior dos mundos
-no Brasil e nos EUA. Estou para
conhecer uma história mais inacreditável que essa.
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