São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Juízo final

Não é novidade que política e economia estejam entrelaçadas como nunca nesta campanha eleitoral. O dado novo é a aceleração espantosa com que o ambiente econômico passou a se deteriorar. A persistir esse ritmo, o desfecho das eleições -e do próprio governo Fernando Henrique- torna-se ainda mais imprevisível do que já era nesta campanha repleta de surpresas.
Embora seu crescimento nas pesquisas tenha sido, aparentemente, estancado, Ciro Gomes reuniu uma ampla frente alternativa, cavando uma via entre o governismo e a oposição tradicional. Sua candidatura cavalga a crise econômica, cuja piora alimenta o descontentamento que a está encorpando. Jogo delicado em meio a uma situação explosiva.
O candidato do governo, José Serra, afora as dificuldades já conhecidas, está numa sinuca. No momento em que sua campanha decidia "colar" na imagem do atual presidente, de olho em sua resistente popularidade, esta começa a despencar. O ex-ministro precisa diferenciar-se do governo e identificar-se com ele, o que é obviamente um dilema paralisante.
Pelo lado das duas candidaturas de oposição, o que prevalece no momento é o esforço para mostrar-se "confiável", pois a percepção de que uma catástrofe ronda o país vai chegando, enfim, à maioria do eleitorado. Tal esforço cobra seu ônus, sobretudo, do candidato Lula, que se vê obrigado a mudar de discurso com rapidez que soa pouco convincente.
A palavra de ordem, para ele e para Ciro, parece ser: nem tanta oposição que açule o medo dos mercados e a insegurança natural do eleitor, nem tanta "confiabilidade" que os aproxime demais da atual estrutura de poder, sobretudo se ela vier a ser tragada num eventual cataclismo em algum momento dos próximos e decisivos meses, se tanto.
Desse ângulo, parece haver dois cenários mais verossímeis. Num deles, o governo obtém nova ajuda do FMI e acalma os mercados, o que lhe permitiria ao menos adiar o temido juízo final. No outro cenário, menos provável, a deterioração escaparia do controle das autoridades e a imprevisibilidade eleitoral chegaria ao máximo.
Na primeira hipótese, predominaria a orientação mais "centrista" e "confiável" que tem sido o rumo discursivo dos candidatos Lula e Ciro. Na segunda, poderá assumir o primeiro plano a preocupação de não se deixar contaminar pelo naufrágio do modelo que, a bem da verdade, ambos os candidatos vêm criticando há muitos anos.
A analogia entre Fernando Henrique e Alfonsín, que teve de abreviar seu final de mandato, ou com Menem, de memória mais recente, parecem ainda implausíveis. Uma débâcle da economia brasileira teria consequências externas muito mais nefastas do que as do vizinho do sul, e o governo atual ainda não esgotou suas possibilidades de defesa.
Serra ainda poderá subir nas pesquisas; é difícil, mas não impossível. Nesse caso, haveria embolamento no primeiro turno numa disputa pelas duas vagas no segundo. Se isso não acontecer, o establishment deverá se dividir entre Lula, que ao menos tem estrutura partidária, e Ciro, o voluntarista que juntou ACM, Brizola e Tasso na mesma arca de Noé.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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