São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Uma reforma para piorar
JOSÉ ROBERTO AFONSO
O Leão teria uma missão impossível pela frente: em vez de fiscalizar 5 milhões de pessoas jurídicas que mantêm uma contabilidade minimamente organizada, teria que concentrar todo o esforço fiscal em cerca de 60 milhões de pessoas físicas (CPFs regulares), que hoje não mantêm nenhuma escrituração de seus gastos. Logo a sonegação poderia ser fenomenal. Um imposto novo sobre a renda consumida, em vez da ganha, seria socialmente injusto, inviável na prática e irresponsável como idéia. O velho é cobrar um imposto especial sobre o consumo de bens supérfluos, notadamente fumo, bebidas e, eventualmente, automóveis de luxo. Claro que isso é correto: permite arrecadar e, ao mesmo tempo, combater consumos que fazem mal à saúde da população e às finanças do próprio governo. Mas a proposta é velha, muito velha; deveria ter sido feita antes de 1965, quando foi criado no Brasil o tal IPI. Embora se chame Imposto sobre Produtos Industrializados, ele é basicamente um imposto seletivo, com alíquotas diferenciadas conforme a essencialidade dos bens. O IPI sempre foi cobrado na produção, porque é mais barato e mais eficiente cobrá-lo de umas duas fábricas de cigarro e cerveja do que correr atrás de cada supermercado, restaurante e bar num país continental. Trocar um contribuinte por outro seria, mais uma vez, um convite à sonegação. Equívoco ainda maior é justificar um imposto sobre o consumo final alegando a experiência européia. Lá a tradição é de cobrar imposto sobre valor adicionado, ao longo da cadeia de produção e comercialização, tendo o seletivo como um imposto complementar e geralmente cobrado dos produtores ou dos atacadistas, ou seja, tudo semelhante ao sistema brasileiro, de ICMS e IPI. Ao inverso do que disse Ciro, a importância relativa da arrecadação gerada pelos impostos seletivos é decrescente na Europa (diminuiu de um quinto para 11% da receita tributária total entre 1965 e 1998, segundo a OCDE). Portanto o imposto sobre consumo seletivo não representaria uma reforma, simplesmente porque já existe e é um imposto velho. Talvez poucas reformas tenham sido tão desejadas e debatidas nos últimos anos no Brasil como a tributária. Não aconteceu. Em grande parte, porque vez por outra surgem idéias exóticas, propondo criar impostos que nenhum outro país cobra, ou, se cobrou, já abandonou. Num mundo cada vez mais globalizado, precisamos cobrar os mesmos impostos que todo o mundo cobra. Em vez de entenderem ao menos do "feijão com arroz" do sistema tributário, alguns partem para invencionices. Sem conhecer os textos originais e as experiências de outros países, alguns candidatos recorrem a uma mistura atropelada de termos econômicos, que nem sempre dominam, mas cujas denominações pomposas e discursos fáceis impressionam a população leiga. José Roberto Afonso, 41, economista, é mestre pela UFRJ. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Fernando Leça: Uma semana pela vida Próximo Texto: Painel do Leitor Índice |
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