São Paulo, quinta-feira, 01 de agosto de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Uma semana pela vida

FERNANDO LEÇA

Desde que o homem se reúne em sociedade, grupos ou comunidades, a solidariedade, em maior ou menor grau, vem sendo praticada. Por um bom tempo, no entanto, as pessoas que se dedicam a atividades de ajuda a pessoas mais necessitadas foram classificadas como "assistencialistas".
Por um viés, dito liberal, proclamava-se que era preciso "ensinar a pescar em vez de dar o peixe". E a tarefa de ensinar seria uma obrigação do Estado. Os autores de tais assertivas eximiam-se, assim, de responsabilidades sociais com os mais necessitados. Como se essa responsabilidade estivesse relacionada a atitudes como dar uma esmola. Esses conceitos, ainda bem, passaram por uma grande transformação.
Hoje em dia, mais e mais pessoas, empresas e órgãos públicos têm assumido a responsabilidade sobre uma chaga que afeta um grande número de pessoas, principalmente nos países do Terceiro Mundo. A exclusão social é uma tragédia que, às vezes, atinge até aqueles que sabem ou souberam pescar. Idosos e adultos são abandonadas à própria sorte e são abatidos por aquilo que os pesquisadores e sociólogos chamam de desalento.
Por paradoxal que pareça, a exclusão social aumenta ainda mais com as ferramentas introduzidas pela globalização. Novas tecnologias alijam do mercado e do convívio social seres humanos que até bem pouco tempo poderiam estar engajados em atividades sociais e produtivas. E o Estado, por mais poderoso que possa parecer, não consegue cuidar de todos eles.
A forma de encarar a atividade solidária voluntária começou a mudar no Brasil graças à intervenção de um sociólogo, oriundo dos quadros da esquerda. Antes de morrer, vitimado pelo vírus HIV contraído em uma transfusão de sangue, Herbert de Souza, o Betinho, construiu uma rede de entidades que se dedicam justamente a ajudar os mais necessitados, as vítimas da pobreza, da fome e da exclusão social.
Para lembrar a memória e o trabalho de Betinho, o Coep (Comitê de Entidades no Combate à Fome e Pela Vida), por ele fundado em 1993, decidiu organizar a Semana de Mobilização Nacional pela Vida. Em São Paulo, a programação acontece de 4 a 9 de agosto e terá como tema "A Globalização Solidária: a valorização da vida na cidade de São Paulo".


É possível integrar os excluídos em projetos de participação que ofereçam o peixe e que também ensinem a pescar


A abertura será no parque da Água Branca, com a apresentação do grupo de percussão Zunidos do Monte Azul e da Orquestra Filarmônica Brasileira do Humanismo Ikeda. E o encerramento será no Teatro São Pedro, com a apresentação do balé de dança contemporânea da cidade de Ribeirão Preto Cia. Distrito da Dança e um tributo a Betinho, no dia 9 de agosto, quando se completam cinco anos da sua morte.
Ao longo da semana haverá debates, eventos e intervenções culturais em teatros e espaços públicos da cidade de São Paulo. Serão também anunciadas importantes parcerias do Coep com entidades como o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e a Associação Brasil Soka Gakkai Internacional, que propaga os ideais humanísticos da paz, da cultura e da educação.
Ao todo, mais de 700 entidades participarão de ações e atividades em busca de soluções para resgatar a dignidade humana. Uma prática que, aliás, já vem sendo exercida por uma série de empresas e organizações.
A globalização, todos nós sabemos, produz tanto a riqueza quanto a miséria. Mas é possível integrar os excluídos em projetos de participação que ofereçam o peixe e que também ensinem a pescar. Pois, como diria Caetano Veloso, "gente foi feita para brilhar, e não para passar fome". E, segundo Joãosinho Trinta, "quem gosta de pobreza é intelectual".
Por isso convidamos todos os brasileiros a participarem não só da Semana de Mobilização Nacional Pela Vida, pois nela será possível conhecer projetos que poderão significar uma nova opção de vida.


Fernando Leça, 61, advogado, é secretário do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo e presidente do Coep.



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