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JOSÉ SARNEY
O Iraque e não tanto
Vamos falar do Iraque, fugindo
aos temas aqui da nossa terra. Este será um assunto que vai permanecer na agenda internacional por muito
tempo e pode transformar-se em referência do que não se deve fazer, como
o Vietnã, que até hoje amargura o povo americano.
A Guerra do Iraque começou depois
do fim da guerra, com algumas lições:
uma grande vitória militar nem sempre está acompanhada de uma vitória
política e pode ser multiplicadora dos
problemas que determinaram a ação
da força. Esmagar Saddam e seu execrável regime é mais fácil do que ocupar o Iraque. A retirada de Saddam,
que se destinava a colocar uma alternativa aos governos teocráticos que se
consolidam no Oriente Médio, parece
ter tido um efeito paradoxal, isto é,
deu aos xiitas, maioria no país, a possibilidade de chegar ao governo, a médio prazo, como a única alternativa à
desestruturação política.
Não foi só naquela região que a situação se complicou ainda mais. Na
Europa, os rescaldos, ressentimentos
e cobranças da guerra estão sendo
contabilizados.
Uma coisa é claramente justa sob o
ângulo americano. Eles têm, na realidade, um crédito extraordinário com
aquele velho continente. Os EUA saíram do seu isolacionismo para engajar-se em duas causas européias e, em
ambas, salvaram a Europa e a humanidade: sem eles, o nazismo teria dominado; sem eles, o comunismo não
teria sido contido. E as duas coisas significavam a anti-Europa nos seus valores.
Portanto não é fácil aos americanos
compreender por que os europeus se
dividiram no apoio à sua aventura no
Iraque. Ainda outras contas cobram
os EUA: sua decisão de resolver o problema dos Bálcãs com Kosovo, possibilitando a expansão da Comunidade
Européia, e o dinheiro que gastam
com a Otan, o que diminuiu os orçamentos militares europeus, dando folga a que eles aplicassem seus excedentes recursos com o guarda-chuva de
proteção social - o welfare state europeu.
Tudo isso dá a dimensão da cobrança dos EUA por solidariedade. Evidentemente, eles não compreendem,
neste mundo de tempo real, que o governo não governa o povo, e sim que é
este, por meio da opinião pública,
quem comanda o espetáculo.
A não ser Blair, que tem uma tendência ao suicídio político, os outros
líderes, Chirac à frente, querem viver,
ou melhor, sobreviver.
O débito com os EUA existe. Mas as
novas gerações não desejam pagá-lo
dessa forma. Bush, com seu estilo republicano-texano, é um complicador.
Este, então, não entende nada.
Desse modo, inevitavelmente, como
os impérios não se deixam domar, vamos ter uma forte presença militar
americana no Iraque e na Europa, durante largo horizonte.
Nesse jogo, América Latina, digo
Brasil, não mete a colher, digo, o pé. É
que vamos ter nossa agenda própria,
composta de Alca, tapas e beijos.
É correta a posição de manter a linha
firme de negociação, sem esquecer
que nós também devemos aos Estados Unidos sua missionária cruzada
pela democracia, pelos direitos humanos, pela liberdade, pela igualdade dos
Estados, que ele cobra firme, na obsessão da abertura dos mercados.
O mesmo que a Inglaterra cobrou de
dom João 6º, quando exigiu a abertura
dos portos. Tudo mudou, mas não
tanto.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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