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São Paulo, sexta-feira, 01 de agosto de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Socorro para a malha viária

RAMEZ TEBET

A insensibilidade e o descuido da burocracia governamental têm sido, ao longo das últimas décadas, responsáveis pela expansão das "áreas de sombra", que são os espaços em que a operação rotineira do Estado é mínima ou inexistente. Uma dessas áreas tem sido o da malha viária do país, que abrange cerca de 1,7 milhão de quilômetros. Desse total, apenas 165 mil quilômetros são pavimentados, o que coloca o Brasil entre os países com os coeficientes mais baixos de pavimentação do mundo. Se acrescermos a esse fato a dura constatação de que cerca de 80% das rodovias nacionais, de acordo com dados do próprio Ministério do Trabalho, inserem-se entre as categorias regular e ruim, chegamos à conclusão de que o país, que tanto fala em reformas, continuará a arcar com imensos prejuízos, caso não promova a urgente reforma de seus fluxos viários.
Se confrontarmos as conclusões de estudos feitos pela Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), de que os países latino-americanos e do Caribe enfrentam prejuízos anuais da ordem de 1% a 3% do PIB em virtude da má conservação das estradas, o Brasil exibe um prejuízo de cerca de R$ 10 bilhões por ano, montante muito além dos R$ 4 bilhões necessários para recuperar a malha viária brasileira.
A situação é de calamidade. Trafegar nas péssimas estradas, que cortam todas as unidades federativas, resulta em um acréscimo de mais de 45% no custo operacional dos veículos, além das desvantagens do tempo ampliado das viagens, convergindo todo o percurso perverso para o encarecimento dos produtos. É sabido que 57% do movimento de mercadorias e 97% do movimento de passageiros se amparam no transporte rodoviário.
Ora, neste momento, em que as decisões tanto levam em conta a relação entre custo e benefício, basta saber que para cada R$ 1 não aplicado na conservação da malha viária, gastam-se R$ 3 em custos operacionais adicionais, além de mais R$ 3 para a restauração ou reconstrução de estradas esburacadas, dados que demonstram cabalmente a necessidade de uma ação imediata do Estado no setor. As taxas internas de retorno dos investimentos são de 30% a 50%. Lembremos, ainda, que o custo da atual importação de petróleo equivale a uma soma menor que o desperdício de consumo de combustíveis, resultante da precariedade das nossas estradas e dos congestionamentos no tráfego urbano.


Para cada R$ 1 não aplicado na conservação da malha viária, gastam-se R$ 3 em custos operacionais adicionais

Se o ministério alega que teve recursos reduzidos, a prioridade absoluta deve ser a de recuperar o sistema depauperado antes de começar qualquer outro projeto. Trata-se, portanto, de uma decisão ancorada numa realidade que está castigando os setores produtivos, a partir dos núcleos de produção agropecuária e industrial, cujos centros de distribuição enfrentam o dilema de usar, mesmo tapando os olhos, precários caminhos para fazer chegar suas mercadorias às redes de consumo.
Além dos prejuízos de natureza material, o país arca com perdas irreparáveis a partir dos acidentes que chegam a provocar, anualmente, a morte de 40 mil pessoas, vítimas não apenas das péssimas condições das estradas, mas de falhas no policiamento e falta de controle e educação no trânsito. Outro fator que provoca danos é o roubo de cargas, com prejuízos que chegam a R$ 1 bilhão por ano. Ora, o crime organizado tem seu trabalho facilitado pelas péssimas condições das estradas, na medida em que os motoristas se vêem obrigados a dirigir lentamente para evitar os buracos. Essa é mais uma faceta do sistema nacional de desastres, que se expande, a olhos vistos, por todas as regiões nacionais.
Para arrematar o quadro caótico, registra-se, ainda, a baixa proporção de rodovias por quilômetro quadrado de território. Temos apenas 19 km de rodovias por 1.000 km2, proporção que é de 373 km nos Estados Unidos e 44 km na África do Sul. Com a dimensão continental do país, esse número deveria chegar logo ao dobro, a não ser que a insensibilidade da burocracia governamental continue a considerar a malha viária como despesa, e não como investimento.
Até no turismo há reflexos negativos gerados pelas condições precárias, bastando verificar que uma região como o sul de Minas, por exemplo, afamada por seus potenciais turísticos, produzindo mais que os Estados do Acre, Amapá, Piauí, Roraima e Tocantins, vê diminuídos os seus fluxos de turismo receptivo em função das condições do sistema viário. No Mato Grosso do Sul, o sistema produtivo está clamando por socorro. A BR-262 está quase totalmente destruída. E trechos da BR-158, como o de Três Lagoas a Selviria, encontram-se paralisados, enterrando os investimentos já feitos na obra. Esse é um pequeno retrato da negligência que grassa no sistema viário do país.
Da parte do Congresso Nacional, existe toda a boa vontade em colaborar com o governo, a partir da proposta favorável à utilização da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), que é o tributo que incide sobre os combustíveis automotivos, na recuperação e aperfeiçoamento do precário sistema viário brasileiro. Não há razão para destinar a Cide a outros projetos e mesmo a uma "reserva de contingência" no âmbito do DNIT, para ampliação do superávit primário nas contas da União. Portanto condições técnicas e financeiras há, sim, para iniciar um mutirão de recuperação de estradas. O que está ocorrendo é um surto de irresponsabilidade na burocracia estatal.

Ramez Tebet, 66, advogado, é senador pelo PMDB-MS e presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Foi presidente da Casa de 2001 a 2003.


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