São Paulo, segunda-feira, 01 de agosto de 2005

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FERNANDO CANZIAN

"Mensalões" e "mensalinhos"

É muito difícil prever um desfecho, mas os fatos da semana passada abriram uma pequena fenda pela qual a crise pode começar a esvaziar. Afinal, PT, parte importante do PSDB e da constelação de siglas que bebeu na fonte de Marcos Valério aparentam ser farinha do mesmo saco.
Até aqui, o saco do PT é o maior e o mais imundo. Nele, acabaram metidos alguns dos maiores embusteiros que o Brasil já produziu, arautos de uma ética impossível no país do ""com ou sem nota". Mas a revelação de que pelo menos o PSDB de Minas usou o esquema da publicidade de Valério colocou a oposição diante de um dilema: tentar matar ou não Lula agora?
Logo no início da semana passada, os faróis de milha do mercado financeiro leram nas declarações de FHC e José Serra que a primeira alternativa vai sendo descartada. Daí a calmaria. Afinal, como liquidar politicamente Lula por irregularidades que o presidente do PSDB, o ex-governador Eduardo Azeredo, também cometeu?
Agora, a não ser que apareça um cheque ou dinheiro irregular direto para Lula, Marisa ou algum Lulinha, o PT continuará goleando os outros partidos no jogo da corrupção, mas todos estarão no mesmo estádio.
Até agora, a CPI dos Correios revelou pouco apego à técnica e à sistematização de informações quentes. Seus membros preferem o palanque e o pau-de-arara de depoimentos vazios. Também não parecem ter nenhum interesse nos verdadeiros corruptores e nas empresas privadas que participam há anos do grande esquema. Daí esse cheirinho característico no ar.
Mas, se pizza for a escolha no cardápio, a oposição corre o enorme risco de acabar passando mal ao acreditar na tese de que Lula-2006 e o seu PT chegarão estropiados lá na frente.
O ano que vem pode marcar a consolidação e o reforço dos pilares que hoje sustentam a popularidade de Lula. Mesmo com tanta roubalheira em torno de sua figura, o presidente segue firme com uma aprovação de 35%, segundo o Datafolha.
Em 2006, o governo atingirá "força total" em seus dois principais programas sociais, o Fome Zero e o Bolsa-Família. Só o último vai atingir 11,4 milhões de famílias e torrar R$ 8 bilhões em ""mensalinhos" a miseráveis.
Na economia, dificilmente 2006 será pior que 2005, que deve ser módico, mas com um crescimento acima dos anos FHC e com razoável geração de empregos formais. Serão quase 3 milhões no biênio 2004-2005, 80% deles pagando mais "mensalinhos", privados, de até R$ 600. Para quem não tinha nada, é muito. No horizonte externo, nenhum sinal de crise. Só muita incompetência fará a peteca cair.
De resto, Lula procurará se apoiar no engodo da "limpa" no PT e em seu ministério, além das ações espetaculares da Polícia Federal, para dizer que agiu contra a corrupção.
Diante disso, a aposta da oposição de que a sujeira atual deixará manchas indeléveis na reputação do presidente e produzirá excelente material de campanha não passa disso -aposta.
É triste e abjeta a história do "mensalão", mas ela joga em nossa cara o que já estamos carecas de saber. Não há medo de cadeia e distribuição de renda suficientes neste país. Quando políticos roubam e miseráveis votam, são corrupção e bolso quem mandam.


Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Hoje, excepcionalmente, não é publicado o artigo de João Sayad, que escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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