São Paulo, quarta-feira, 01 de setembro de 2010

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ANTONIO DELFIM NETTO

Comércio e colonialismo

Na discussão sobre o papel da China na evolução da economia, não há o que duvidar das vantagens da complementaridade sinergética entre o Brasil (fornecedor importante de alimentos e de recursos naturais) e a China (maior exportador de produtos industriais).
O que se pode discutir é a qualidade da nossa política econômica e a ingenuidade de continuar a considerar a taxa de câmbio (nominal e real) como era quando não havia liberdade de movimento de capitais: o preço que equilibrava os fluxos do valor das exportações e importações de bens e serviços.
A taxa de câmbio é o preço de um ativo financeiro que está no portfólio de milhares de agentes que produzam oportunidades de arbitragem (na terceira casa decimal) em operações de milissegundos que dependem, fundamentalmente, de crenças, fatos e boatos...
O que é preciso vigiar é a política do Politburo asiático pela qual o Estado Soberano Chinês deve procurar estabelecer a garantia de suprimento comprando recursos naturais em Estados soberanos.
O enorme e merecido sucesso da administração chinesa depois de Mao deve-se ao seu enorme pragmatismo. Aproveitou-se magistralmente da aproximação estratégica dos EUA (para isolar a URSS) e da abertura do seu mercado para os produtos de empresas americanas instaladas na China.
Gerou, assim, um crescimento da ordem de 11% ao ano, que a transformou na segunda economia.
Graças a uma política industrial inteligente, apropriou-se e tenta aperfeiçoar a tecnologia importada. Por que, então, o neocolonialismo? Porque o Politburo sabe que, devido à escassez interna de recursos (água, terra, alimentos, minérios, energia), é muito pouco provável que possa repetir 30 anos crescendo a 9% ao ano, como é seu projeto.
O problema é aritmético. O mundo tem crescido nos últimos 200 anos a uma taxa de 2% a 3% ao ano. Se nos próximos 30 anos a China crescer 9% ao ano, e o mundo insistir em crescer 3%, um cálculo elementar mostra que a sua participação no PIB mundial saltará de 12% para 70% em 2040!
Em outras palavras, a China, que hoje, com 20% da população mundial, produz 12% do PIB mundial, em 2040, com 17% da população, produziria 70% do PIB mundial. Para acomodar tal crescimento, o "resto do mundo" deveria reduzir a sua participação no PIB em 0,4% ao ano, o que é politicamente inadmissível.
Se o "resto do mundo" crescer a 3%, e a China a 9%, seria preciso que o PIB mundial crescesse a 4,5%, o que não parece factível, pela falta de recursos e pelo aquecimento global.
É duvidoso, então, contar com mais um trintênio de crescimento da China a 9% ao ano.


ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.

contatodelfimnetto@uol.com.br


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