São Paulo, quarta-feira, 01 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Estado, governo e agências reguladoras

LUIZ ALBERTO DOS SANTOS e DIOGO DE SANT'ANA


A fase atual, longe de ser de implosão das agências, indica a busca de caminhos para o aprimoramento da regulação

EM UM país de renda média como o Brasil, a promoção de investimentos está no centro da agenda governamental. Assim, o debate sobre o papel do governo e das agências reguladoras é relevante e positivo.
Freqüentemente, porém, a discussão é posta num contexto equivocado, como se agências, Estado e governo fossem partes distintas e completamente separadas uma da outra. Tal entendimento não leva em conta que, na democracia, o Estado é composto por diversos tipos de instituições.
O governo detém a prerrogativa e a obrigação de planejar e formular as políticas públicas em diferentes setores. As agências, como órgãos de regulação e fiscalização setorial, integram esse processo de forma indissociável, em função da competência regulatória que pertence ao Estado de forma exclusiva, nos termos do artigo 174 da Constituição.
O momento atual, longe de apontar para um cenário de implosão das agências -como afirmou o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) em artigo neste espaço (12/9)-, parece convergir para a busca de caminhos que levem ao aprimoramento da regulação. Essa convergência pode ser percebida em quatro exemplos distintos.
O primeiro é o projeto de lei 3.337/ 04, que dispõe sobre as agências reguladoras. O projeto, incluído entre as prioridades do PAC, está pronto para votação na Câmara dos Deputados. O substitutivo do relator Leonardo Picciani (PMDB-RJ) parece ter avançado para um acordo entre as forças políticas do Congresso. A principal divergência -o contrato de gestão- foi superada pela criação de instrumentos a serem aprovados pelas próprias agências -planos estratégicos de trabalho e de gestão e desempenho- e fiscalizados pelo Congresso. Tais mecanismos serão uma importante ferramenta de "accountability".
O segundo é o recente relatório da OCDE sobre a regulação no Brasil. O relatório apontou que "o risco regulatório parece ter sido reduzido. A melhoria da situação macroeconômica, assim como o progresso das agências, foi compensador. Existe uma participação social mais ampla na avaliação e melhoria da estrutura regulatória, conforme demonstrado pelo envolvimento dos consumidores no debate de questões de regulação nos setores de infra-estrutura básica" (OCDE: 2008, p. 15).
O terceiro exemplo é o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para a Gestão em Regulação (Proreg), criado pelo decreto 6.062/ 07 e formatado em convênio com o BID. O programa tem como objetivo fortalecer o sistema regulatório, a capacidade de formulação e análise em setores regulados, a autonomia, a transparência e o desempenho das agências e desenvolver e aperfeiçoar os mecanismos de controle social no âmbito do processo regulatório.
O quarto é o avanço na estruturação dos quadros de pessoal e a melhoria remuneratória dos servidores das agências. Desde 2003 -até então as agências não tinham carreiras estruturadas-, foram criados 9.617 cargos efetivos, dos quais mais da metade já foi preenchida por concurso. Além disso, com a medida provisória 441, de 29/8, foram concedidos aumentos expressivos aos servidores das agências. O salário inicial de um especialista em regulação, por exemplo, que em 2003 era de R$ 5.462, chegará a R$ 11.374 em 2010, melhorando a atratividade dos concursos.
Indicadores econômicos também afastam a idéia de crise regulatória. O investimento estrangeiro direto no país tem batido recordes sucessivos (US$ 34,5 bilhões em 2007), as agências de classificação de risco têm elevado as notas do Brasil e a participação estrangeira em empreendimentos de infra-estrutura, como rodovias e hidrelétricas, está aumentando.
A sinergia entre esforços de governo e agências tem dado, ainda, bons frutos, tais como o recente acordo para garantir o acesso à internet em banda larga em todas as escolas urbanas (mais de 55 mil) do país até 2010.
É certo que há um longo caminho a ser percorrido. A definição das competências de cada órgão, o fortalecimento em termos de recursos humanos e materiais, a ampliação dos investimentos nas estruturas de fiscalização (o orçamento executado das agências aumentou 69% desde 2003) e a diminuição do tempo para indicação de dirigentes são as principais dificuldades a serem superadas, mas isso não se traduz em uma crise regulatória, muito menos generalizada.
As iniciativas mencionadas, pelo contrário, são evidências de que soluções estão sendo buscadas para tornar as agências mais eficientes, mais profissionais e mais sólidas como instituições estatais, sem desfigurar, porém, o papel do governo como formulador de políticas setoriais e indutor do desenvolvimento econômico.


LUIZ ALBERTO DOS SANTOS , 46, advogado e mestre em administração, é subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil da Presidência da República.
DIOGO DE SANT'ANA , 29, advogado, pós-graduando em direito econômico pela USP, é assessor do gabinete pessoal da Presidência da República.

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