São Paulo, quinta-feira, 01 de outubro de 2009

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KENNETH MAXWELL

Agente secreto

OS ROMANCES de Arthur Ransome me entusiasmavam quando eu era jovem. Costumava lê-los avidamente, repetidas vezes. Eu adorava suas histórias, repletas de acampamentos ao ar livre, escaladas e aventuras marinhas, e nas quais, até onde me lembro, não apareciam adultos. No começo dos anos 50, o escritor, com seu espesso bigode, paletó de tweed, chapéu de feltro e onipresente cachimbo, me parecia um gentil e perene guardião dos meus sonhos de infância.
Ou era essa a impressão que ele causava. Arthur Ransome nasceu em Leeds, em 1884. Seu pai, professor na universidade local, morreu quando o menino tinha 13 anos. O jovem Arthur passou boa parte de sua juventude em Coniston Water, no Lake District, e posteriormente se mudou para "Norfolk Broads", uma área de vias aquáticas interconectadas no leste da Inglaterra.
Cinco de seus romances têm o Lake District como cenário, e dois se passavam em Norfolk. Todos esses títulos continuam em catálogo.
Mas o escritor, morto em 1967, tinha uma outra história. Ele também era espião, e possivelmente agente duplo. Após vencer o célebre processo por difamação que lorde Alfred Douglas abriu contra ele em 1913 devido ao seu livro sobre Oscar Wilde, e de um desastroso primeiro casamento, ele escapou para a Rússia. Como correspondente do "Daily News", de Londres, e depois do "Manchester Guardian", ele testemunhou a queda do Império Russo e os esforços de Kerensky para sustentar um governo democrático. Ransome estava fora do país quando os bolcheviques tomaram o poder, em outubro de 1917, mas retornou logo em seguida para registrar os primeiros anos do regime bolchevista.
Ransome era muito amigo de Karl Radek, o chefe da seção de propaganda bolchevista, e se tornou um admirador ardoroso de Lênin, cujo retorno à Rússia via Estação Finlândia ele testemunhou. O escritor era amante de Evgenia Shelepina, a secretária pessoal de Trótski, e apoiava a causa bolchevista, transportando dinheiro para a Suécia e para a Estônia em nome do regime e colaborando com a Cheka, organização que antecedeu a KGB. Também era o "Agente S76" do MI6, o serviço de inteligência externa britânico.
A história dos anos que ele passou na Rússia é contada por Roland Chambers em "The Last Englishman: the Double Life of Arthur Ransome". Após voltar a Londres com Evgenia, em 1924, as autoridades britânicas não conseguiam decidir se Ransome era herói ou traidor. Mas, depois do início dos anos 30, ele se tornou mais conhecido não por seu passado, e sim como um escritor muito amado, que cativou diversas gerações de crianças britânicas -entre as quais eu.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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