São Paulo, segunda-feira, 01 de novembro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A lógica do Colégio Eleitoral
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
Uma das razões da riqueza institucional americana é exatamente a noção de que os Estados, os condados e os municípios decidem por conta própria grande parte dos temas de seu interesse. Pode-se argumentar que, nos quase dois séculos e meio que se seguiram à formulação constitucional do país, o poder do Estado federal cresceu substancialmente. Talvez hoje em dia já tenha chegado a hora de rever aqueles princípios. Mas continua não sendo absurda -e menos ainda divorciada da tradição histórica e cultural dos EUA- a noção de que a simples soma de votos individuais de cidadãos seja insuficiente como único e exclusivo critério para resolver quem deve ser o presidente do país. No século 20, o problema nunca se pôs até o último de seus anos, 2000, porque em todas as eleições presidenciais anteriores a vantagem de um candidato sobre os demais foi clara e inequívoca (embora, em 1960, na votação universal a diferença entre Kennedy e Nixon tenha sido inferior à verificada em favor de Gore contra Bush em 2000). Além disso, o primeiro lugar no Colégio Eleitoral coincidiu com o vitorioso no número absoluto de votos de eleitores. Quando o país se rachou praticamente ao meio entre Gore e Bush, num virtual empate, a questão surgiu. Por que seria mais legítima a vitória de um candidato que teve alguns poucos votos a mais do que o outro entre o total de votantes do que a do candidato que ganhou em maior número de Estados da Federação? Numa votação da Assembléia Geral da ONU, o que seria mais legítimo: uma decisão tomada com base na vontade de uns poucos países muito populosos ou na da maioria absoluta dos países-membros? A diversidade de interesses entre Estados como Nevada, Nova York, Califórnia, Iowa, Novo México e Flórida é imensa. Algum mecanismo deve existir para impedir que uma união entre os Estados com maior número de habitantes esmague a vontade dos demais. É certamente possível aperfeiçoar os mecanismos que existem. Talvez a proposta do Estado do Colorado (de dividir os votos do Colégio Eleitoral proporcionalmente aos dos cidadãos) faça sentido. Ou a fórmula já adotada pelo Estado de Maine (que radicaliza o princípio do Colégio Eleitoral, ao definir a escolha dos integrantes do Colégio metade a partir da vitória em cada distrito eleitoral do Estado e a outra metade para quem receber mais votos no Estado inteiro) seja a mais adequada. O que não faz sentido é ridicularizar o Colégio Eleitoral americano, como se fosse ou uma invenção bizarra ou um anacronismo absoluto. Afinal, com ele, há mais de dois séculos os EUA vêm realizando eleições a cada quatro anos sem nenhuma interrupção, mesmo em períodos de guerra civil e de guerra contra outros Estados, sem nunca nenhum dos seus resultados ter sido contestado pela população. Se isso não avaliza um mecanismo institucional como democrático, o que o fará? Carlos Eduardo Lins da Silva, mestre em comunicação pela Michigan State University (EUA), livre-docente e doutor em comunicação pela ECA-USP, é diretor da Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas. Foi correspondente da Folha em Washington. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: José Carlos Aleluia: De Caminha a Lula Índice |
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