São Paulo, quinta-feira, 01 de novembro de 2007

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CLÓVIS ROSSI

O bonde

ZURIQUE - O cartaz no ponto de bonde da Banhofstrasse avisa que o bonde da linha 6 chegará às 11h46. Um minuto antes, eis que aponta o "6" na esquina. Deixo passar. Confiro o horário da linha 11. Previsão: chegada às 11h48. Chega. Dispenso-me de testar as duas outras linhas que param no mesmo ponto.
Fiz o teste porque descobri, humilhado, que eu, brasileiro, instrução universitária, devidamente aculturado, tive o mesmo espanto de uma somali, instrução básica, cultura ainda clânica, ao cair no mundo civilizado. Refiro-me a Ayaann Hirsi Ali, naturalizada holandesa, cuja turbulenta história de vida está em "Infiel", livro recém-lançado no Brasil pela "Companhia das Letras".
Escreve Ayaann sobre um momento de sua chegada a Amsterdã: "Enquanto esperava para fazer baldeação, reparei que o ônibus chegou exatamente na hora marcada, catorze horas e trinta e sete minutos, pontualmente. (...) Como era possível prever que o ônibus chegaria precisamente às catorze e trinta e sete? Acaso eles também controlavam as regras do tempo?".
Na primeira vez em que topei com um cartaz (no caso eletrônico) avisando que o bonde chegaria dentro de tantos minutos (em Frankfurt), também duvidei. Chegou. Em São Paulo, não é possível ter certeza do horário de chegada nem de carro, o que dirá de ônibus ou bonde, obrigados a percurso fixo.
É claro que os holandeses (ou os alemães ou os suíços) não têm o controle do tempo. Têm apenas a noção plena de que as coisas podem funcionar direito, sim. Podem, não. Devem. Têm que.
Por aqui, se o ônibus/bonde/ trem/metrô atrasar além do tolerável, há resmungos. No Brasil (ou na África), se chegar no horário, há agradecimentos. Como se fazer a coisa certa fosse um favor, não uma obrigação elementar, primária, básica.

crossi@uol.com.br


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